quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Pseudo, psiu!


“Arre, estou farto de semideuses! Onde há gente no mundo?”* escreveu o poeta através de um de seus heterônimos mais fascinantes. Certamente, nem Fernandos, nem Álvaros referiram-se à sociedade de hoje. No entanto, como toda genialidade tem um quê de imortal, arrisco-me a utilizá-la.

O excesso de teorias sobre o excesso de informação já está excessivamente bem informado. O que parece ainda oculta é a contradição: a informação fácil matou a curiosidade. Acostumamos ao superficial, às poucas linhas, às únicas versões. Assim, temos nos tornado também superficiais – o que, de certo, faz com que mereçamos poucas linhas numa única versão mal feita de nós mesmos. 

A verdade é que a humanidade está repleta de pseudos. Não pseudônimos, como os do poeta, mas pseudo posições, pseudo ideologias, pseudo conhecimento, pseudo ídolos, pseudo loucos. Pseudo... pseudo... pseudo... e somos com uma sinceridade tão verossímil que chega a nos doer.

Somos revolucionários convictos em frente aos nossos computadores.
Somos socialistas-marxistas-russos-cubanos enquanto não precisamos enfrentar o mercado de trabalho.
Somos ambientalistas antes do próximo churrasco no prédio da frente.
Somos brasileiros durante o futebol.
Somos absolutamente contra a corrupção dos outros, mas cometemos nossas pequenas corrupções diárias. Por que não?
Somos humanistas quando doamos R$5,00 no tele-criança-que-nos-enche-de- esperança e contribuímos para acabar com as nossas (nossas?) contradições sociais. (Atitude tão poética que chega a rimar, sem riquezas – de métrica ou de ação)

Somos cri–críticos que utilizam da primeira pessoa para xingar tudos e todo numa página de internet. Uma generalização tão pseudo quanto real.

E continuaremos assim, até que os anjos, os santos, os norte-americanos ou nós mesmos soltemos aquele grito de silêncio: “Pseudo, psiiiiiiiiiu!”

Até lá, pseudo-eu que, retomando o português do poeta, “tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas”* desse verdadeiro pseudo-mundo, abafo o meu grito, entupindo a garganta, sem voz.



* Fernando Pessoa – Álvaro de Campos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ano novo, meu velho!


Ano novo, meu velho!

Começo me desculpando, sinceramente, pelo meu descaso. Afinal, já faz um ano que não lhe escrevo, não é? Mas você sabe como foi a correria para cumprir (?) tudo aquilo que prometi na última carta... 


Você está ficando cada dia mais famoso, heim? Há tempos tem-se falado sobre os mitos e metas que o envolvem.  Você Já virou notícia, filme e centenas de textos antes de pousar sobre os cartões de “Feliz Ano Novo” e propagandas da Coca-Cola-de-gente-boa-e-feliz e dos bancos-feitos-para-você, para nós. Tudo isso devido àquele boato de que você se rebelaria de vez e acabaria com o mundo! É isso mesmo! ACABARIA COM O MUNDO! Ah, meu amigo... não é porque as pessoas o deixam de lado na maior parte dos dias que você precisa acabar com tudo, né? Que carência é essa? Por favor, calmaí!


Bem sei que você anda chateado por comemorar seu aniversário sempre da mesma forma: com todas as gentes prometendo isso ou aquilo. Todos os gordos que não emagreceram, todos os preguiçosos que não trabalharam, todos os políticos (ah, os políticos!) que não se lembraram que são povo, todos os filhos pródigos que não voltaram, todos os bem-feitores que sairiam das suas casas e mudariam o pla-ne-ta! Mas, pense: o que vale é a intenção. E de boas intenções o infer... ops, o mundo está cheio. Fique calmo que dessa vez TODO MUNDO vai fazer tudo certinho. Você vai ver, em seu próximo aniversário, vai ter alegria que só! Uma perfeição de dar nojo nos invejosos. Ai, que bom! 


Vamos deixar em segredo, mas fiquei sabendo por fonte segura (oh, jornalistas: a fonte é DAS BOAS!) que, depois do seu aniversário, tudo estará melhorzão. Sente aí:


As pessoas lerão mais. Bem, bem, bem mais. Assim, o percentual de postagens na internet com frases do C.F. Abreu cairão notavelmente. (Que beleza, heim?) Os rebeldes que vestem vermelho, deixam a barba crescer e (não) saem por aí xingando o sistema, passarão horas por dia estudando as teorias que eles tanto (des)conhecem. Vai ter Karl Marx que não acaba mais! Uh, maravilha!


Mas não para por aí! (Senta que essa é boa) O ser humano finalmente vai fazer jus à qualidade de racional! Juro de pés juntos que não vai ter mais gente roubando gente, gente matando gente, gente matando bicho, gente invejando gente, gente mentindo pra gente, gente não gostando de gente. Vai ter só gente só... sem pejorativos. Gente! 


Isso tudo sem falar no respeito, né? Resolveram tirá-lo dos cartazes e colocá-lo nas ruas, nas casas, no trânsito, nas contas bancárias, nas cabines de votação, nas orações, nas Universidades, nas prefeituras, nas camas, nas esquinas, na América do Norte!


Viu? PRA QUE ACABAR COM UM MUNDO ASSIM, TÃO PROMISSOR? Não vai me decepcionar, ouviu? 


Vai me vendo daí que ano que vem eu volto! Estarei com o CRTL C CTRL V na ponta do teclado para escrever pra você de novo!


Meu vigésimo primeiro abraço pra você, cheio de carinho repetido!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Faltação


Escrever é uma forma de colocar “no papel” todas as indignações que deixam a bochecha vermelha, de tanta raiva que a gente sente. Por isso, comecei e apaguei este texto diversas vezes.

Pensei em escrever sobre a enfermeira que matou o cachorrinho. Ou sobre o vizinho que filmou, passivo, o assassinato.
Poderia comparar a morte do bichinho com as mortes-nossas-de-todo-dia que assolam tantas pessoas pelo país e que poderiam ser evitadas.
Poderia criticar os indignados que xingam-muito-no-twitter e só.
Também achei merecido destinar toda a minha raiva às pessoas que criticam os indignados que xingam-muito-no-twitter ao invés de se indignarem também.

Aí, me lembrei do motivo da indignação e senti a bochecha vermelhando outra vez. Matar um bichinho assim, à toa? Filmar uma coisa cruel dessas e não fazer nada? Xingar nas mídias sociais, desligar o computador e tomar uma cerveja? Chorar horrores ao assistir a um vídeo e ler as notícias tristes no jornal todos os dias e só se preocupar com o mau agouro que o horóscopo, da página de cultura, trouxe?

Não gosto de falar repetições. A briga só é minha enquanto não se tornou uma briga vista,  reconhecida  em cartório e abençoada por Deus. A minha briga, enquanto minha, individual, de direito, é para que as brigas se tornem brigas. Por isso, o texto sobre esse assunto termina antes de começar.

Afinal, já sei que existem milhares de pares de bochechas se avermelhando por aí, como as minhas.

O que falta, agora, é indignAÇÃO. (Preciso destacar ainda mais a AÇÃO?) 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O povo pastel


Aqui ao lado tem uma pastelaria. Todos os dias, em qualquer hora, as pessoas se espremem no cubículo de duas portas. Barulho de gordura, sabores variados. Cheiro de café, garapa, molho de pimenta. Massa de pastel e recheio: cinqüenta centavos para matar a fome. Apenas cinqüentas centavos! Dez moedas de cinco, cinco moedas de dez, uma moeda de um e pronto! Pastel comprado!

Nunca vi tanta gente com cara de povo como na pastelaria ao lado. De segunda a segunda: gente! Não gente da televisão ou da última revista: gente de verdade, com todo aquele jeitinho que gente tem.

São homens com seus uniformes e seus sapatos surrados, mulheres com suas crianças e seus cabelos penteados, meninos e meninas com seus chinelos de dedo e suas sacolas. De vez em quando, entram criança, mãe e pai. Cachorro, espera na porta, sentindo o cheiro da gordura queimando a massa. A massa... O povo. 

Desconfio que todos os brasileiros comem o pastel da pastelaria ao lado: nordestinos, mineiros do interior ou da capital, sulistas. Do sertão ao litoral: não há um que nunca tenha vindo experimentar esse símbolo nacional da democratização da compra e alimentação.

Nos seis banquinhos entrepostos na pastelaria ao lado, vejo a personificação da expressão tão recorrente nos discursos todos de tudo quanto há: s-o-c-i-e-d-a-d-e. É ali, logo, ao lado, que está a sociedade da qual falam os políticos bem-feitores, os estudantes revoltados, os membros das associações, as leis e seus códigos, as ONG’s, os filósofos, os cientistas sociais, os moralistas, os anárquicos, os religiosos: todos. Em cada rosto com suas rugas, suas imperfeições e impasses, está toda uma sociedade. Um parcela que, conjunta, compõe o que os ufanistas chamam de nação. 

Todos os dias, povo que sou, compro o pastel da pastelaria ao lado. Observo a fila, a fome, as conversas e os jeitos. Adoeci! Agora, não consigo mais pensar em tabelas, gráficos, números e textos quando me falam de povo. Ao ouvir a palavra, lembro de cada rosto que vejo esperando a hora de comer. 

Saindo da internet, dos jornais e dos livros-super-revolucionários é que descobri: Há gente na palavra povo.

Agora, para mim, o pastel tem cheiro de gente. Ou o povo tem cheiro de pastel?  Ainda descubro: se o Brasil é mesmo uma grande massa, será o povo, pastel?

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Urgente: a miséria em extinção!


“Francisco Ferreira de Souza, o Xico, com x. 

Na certidão amassada, embrulhada na bolsinha vermelha de propaganda eleitoral, marcam-se 12 anos de idade. Xico é mineiro, nascido em São João das Missões.
Começou a trabalhar aos quatro anos, capinando pastagens, como o pai. É o mais velho dos oito irmãos.
Cabelo preto, liso, olhos puxados, magrelo. Xico, meio índio, nunca foi à escola. Mas disseram que a merenda é boa, tem até macarrão!
Mas Xico não tem tempo de andar os treze quilômetros para chegar até a escola. Carrega todo o peso de se ter doze anos em São João das Missões. 

Pereta, o cachorro.  Quatro anos de simpatia. Magrelo, como o dono. 

Xico e Pereta são dois brasileiros. Tiveram o azar de nascer na cidade mais pobre de Minas Gerais. Tiveram o azar de nascer num país tão rico quanto desigual. Tiveram o azar de nascer numa época em que a miséria está fora de pauta. Nasceram.

Xico e Pereta nem desconfiam que são problemas sociais, que são temas dos artigos científicos de universitários empenhados, que viram música do prêmio do ano do Faustão, que estão no discurso, tão bonito, dos candidatos.
Xico não sabe que existem enlatados, não está preocupado com as mídias sociais ou com a organização da copa do mundo no Brasil. A expectativa de vida de Xico é de 27 anos.  E ele está, como todos,  no século XXI.

A casa de Xico não tem luz, esse ano, de novo, não terá pisca-pisca na árvore de Natal.” 

A história de Xico, com todas as suas 'magrelezas', barrigas vazias e árvores de Natal sem pisca-pisca, é tão clichê. Piegas. Lugar-comum. Ai, que incômodo que é ler histórias clichês! Será que não dá pra mudar o disco? Vamos falar da RAIVA de ficar mais de meia hora na fila do Banco do Brasil, vamos falar daquele corte de cabelo R-Í-D-I-C-U-L-O da atriz da novela das nove, vamos reclamar que o I-mac está caríssimo? Que tal perder horas a fio discutindo a opção sexual dos outros? 

Vamos ler Karl Marx, fumar um charuto e nos sentir socialistas? Vamos deixar crescer a barba, xingar o capitalismo e tomar um wisky? Assim, dormiremos embriagados de cultura. Vamos?

A história de Xico, com x, é clichê. 

Vamos, então, esperar que morram (não de raiva, de fome antes do almoço, de tédio, de cansaço de final de expediente ou período da universidade) todos os milhares de brasileiros pés descalços? Assim, quando só restar um ou dois, poderemos declarar extinta a miséria! E surgirão ONG’s para garantir a preservação dessa espécie raríssima.

Brasil, vamos proteger os pobres, antes que eles entrem em extinção?




  

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sujeito: passivo?



O Henfil tinha raiva da morte.
A minha irmã salva cachorros de rua.
Minha mãe levou a poesia de Vinicius para o bairro mais pobre da cidade.

Três orações. Três sujeitos. Singulares.

“Eles não estão preparados para votar”. “Eles não sabem o que é cultura”. “É distribuir pérolas aos porcos!”. Em um mundo em que fortalecer a própria voz é a ordem do dia, um canto de vozes desafina os bons modos. Tortos, definem o que é o culto e o que não é. Oculto, o preconceito preguiçoso que aceita as contradições do lado de lá. Um muro invisível, pré-combinado, que impede a mudança. Impede o conjunto. Define a massa. 

A poesia de Vinicius de Moraes subiu o morro, bateu na porta da escola construída entre barrancos. Chegou cansada, tímida ao ver aqueles tantos olhos das crianças que a esperavam. Mas poesia é poesia! Ela não reparou nas roupas simples, nos atos simples, nas meninas simples. Entrou com tudo, como se estivesse nos palanques bonitos das Universidades ou nas casas de quem não anda de ônibus, não gasta o sapato...   
Minha mãe levou poesia para o bairro mais pobre da cidade. Agora, quem nem desconfiava dos lirismos dessa vida, canta a garota de Ipanema. 

Outro dia, um homem arrastou seu cão enquanto dirigia o carro. Ontem, vi uma senhora dividindo um pão entre suas três crianças e um filhote. Enquanto isso, a cidade grande que movimenta economias nunca para. É um eterno entrar e sair de casas, de trânsitos, de lojas. As pessoas estão sempre correndo: é preciso entrar em forma, afinal. Não se vêem os bueiros com seus ratos, as esquinas com suas mulheres, não se vêem os cães. Mas a minha irmã salva cachorros de rua. Agora, da estrada em que estão também os ocupados no seu próprio correr, ela ganhou mais dois olhos para correr junto. A minha irmã salva a rua dos cachorros? Não. A minha irmã salva os cachorros de rua.

Sorte e Morte. Entre rimas, razão. O Henfil tinha raiva da morte. Da dele, dos meninos que comiam farinha, da solidariedade. Morte é fim e todo fim é uma espécie de sorte. O intervalo é chance. Oportunidade de temer o desfecho e agir, de levar poesias para o bairro mais pobre da cidade, de salvar cachorros de rua...

A poesia levou a minha mãe para o bairro mais pobre da cidade.
O cachorro salvou a rua da minha irmã.
A raiva da morte me dá medo do Henfil.

A singularidade dos sujeitos fez três orações. E eu as rezo, pacificamente ativa.  

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Desumanize-se


Peste negra, AIDS, câncer. Nazismo, holocausto, guerra. Homofobia. Excesso de informação. Os séculos sempre estiveram cheios de males característicos. Chamar isso ou aquilo de “mal do século” é uma prática recorrente. No entanto, atribuir ao tempo, à sorte, ao destino ou ao que quer que seja, as intempéries pelas quais passa o ser humano é, no mínimo, cômodo.

O mal não está no século, na década, no ano. O mal  está em cada um de nós que compõe os dias do calendário. Em cada indivíduo: famoso, ateu, povo, massa.  O mal do século é a falta de visão. E não, não me refiro à condição física de não enxergar. É a visão seletiva, cômoda. É a visão má.

Ponto. Maldade é o mal. Não dos tempos, mas do homem.  Não de todos, mas da regra.

Defendemos a reforma agrária porque queremos ver o “povo”, com todas as suas caras sujas e pés descalços, de volta para o campo.

Sonhamos com o fim da miséria unicamente pelo medo de sermos assaltados na próxima esquina.

Comemoramos o câncer de um político porque não compartilhamos de sua posição ideológica.

Passamos tanto tempo invejando os que se destacam que não temos tempo para nos destacar também.

Somos frios. Somos rudes. Grossos. Contraditoriamente incomunicáveis.

Ironicamente, há os que se ofendem ao serem chamados de “desumanos”. Se a humanidade é isso, o fato de não fazer parte dela não é castigo. É privilégio.

Quem sabe um dia me desumanize e possa conjugar novamente as minhas frases? Abandonarei a cumplicidade da primeira pessoa e substituirei o “nós” por “vocês”.
Melhor que isso é fazer um outro nós, assim, sem males do século. “Vocês” serão a exceção e um “nós” de visão clara e atos concretos será a regra.

Que venha, utópico, o mundo das exceções.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

E você, já arrumou a sua cama hoje?


Inventor do avião, automóvel, Titanic? Criador da Internet, computador ou celular? Não. Gênio MESMO é quem decidiu que todo dia as pessoas devem arrumar a cama. Não assim, só por arrumar... É que há um fator social envolvido no ato de estender lençóis, dobrar colchas, guardar cobertores...

Todos os dias as pessoas dormem na mesma cama. Algumas, no mesmo horário, na mesma posição. Então para que arrumar e desarrumar constantemente se à noite iremos atrapalhar tudo outra vez?

Bem, é simples. Complexamente simples. A cama é o lugar onde todos os cansaços do dia vão parar. O que deu certo, o que deu errado, o que se deixou de fazer... Tudo isso fica marcado em cada dobra no colchão e nos lençóis. Todas as marcas de 24 horas que nos dão a certeza de estarmos vivos.  Imagina se não tivesse surgido a brilhante idéia de refazer a cama? Os cansaços de 365 dias seriam acumulados em um único conjunto de colchão e madeira. Não adianta! A cama desmontaria em um mês. Por isso, surgiu a solução genial em retirar da cama diariamente todas as preocupações, ansiedades, transtornos.

Arrisco a dizer que a cama é a metonímia da vida. É a metáfora que os mais atentos aplicam enquanto acordados. Quando arrumamos a cama, antes de sair de casa, livramos a nossa mente de tudo o que se passou no dia anterior e nos preparamos para um novo dia, como quem prepara uma página em branco para preencher em um texto que amanhã não servirá mais.

Assim como há os que deixam de arrumar a cama por falta de tempo, de interesse ou vontade, há os que deixam de se livrar das velhas mágoas, do passado que, como o nome diz, passou. Essas pessoas, com o passar do tempo, ficam da mesma forma que a cama desarrumada: carregam no rosto todo o peso de não saber recomeçar. É cientificamente comprovado: saudosismo dá rugas.

E você, já arrumou a sua cama hoje?

domingo, 23 de outubro de 2011

Coisa de palhaço


         O termo “Máscara”- Persona, na Grécia Antiga - já foi utilizado por sociólogos, poetas e, constantemente, aparece em conversas do cotidiano quando se quer falar de algo que possibilita a quem usa ser aquilo que não se é na realidade. Nas críticas à sociedade e ao ser humano especificamente, essa característica de encarnar um personagem como forma de esconder um pensamento, uma atitude, a sexualidade ou de dissimular um outro, alheio a si próprio, aparece como um dos principais defeitos. Há os que dizem que, pelo privilégio da racionalidade, somos os únicos animais capazes de fingir.
            No entanto, nem sempre é ruim utilizar de uma figura, de um personagem, para representar algo que não somos, ou que não podemos ser em tempo integral. O palhaço, por exemplo, se veste de outro para fazer rir a quem possa ouvi-lo. É por acreditar na magia da máscara, por vê-la pelo seu lado mais concreto e positivo, que, sempre que aparecem oportunidades, incorporo a Palhaça Alfinete.
            Roupa colorida, sapato comprido, peruca, nariz vermelho, violão nas costas e um número infinito de piadas, de músicas engraçadas e tombos planejados compõem o figurino e a alma da minha eu-palhaça.
            Durante as horas em que deixo de ser eu para me tornar a Alfinete, posso usar e abusar do humor e do ridículo que é utilizar a nós mesmos para provocar risadas. Mas não há nada mais gratificante que ver uma criança soltar uma daquelas gargalhadas gostosas ou sentir que fizemos um velhinho se lembrar de que ainda é tempo de sorrir, ou melhor, que sempre é tempo de sorrir.
            Mas quando a diversão acaba e eu deixo minha cabeleira rosa num canto do armário, volto a ser eu, com toda a responsabilidade que é ser a gente mesmo. Até que, em uma dessas palhaçadas, fui felizmente condenada a ser sempre palhaça.
            Estava quase indo embora da creche em que a Alfinete se apresentou naquele dia, quando uma das crianças veio correndo para perto de mim. Ela perguntou, puxando a minha roupa, apressada: – Ei, palhaço, qual é o seu nome verdadeiro? – Como eu já estava cansada de tantas brincadeiras, abri mão da magia de um nome fantástico e, sem pensar muito, respondi, rapidamente: – Jamylle! –  A menininha soltou a maior risada da noite, colocou a mãozinha na cintura, em tom de reprovação e disse, quase não agüentando falar de tanto que ria: – Não! Eu quero saber o seu nome DE VERDADE! – Tentei explicar que aquele era mesmo o meu nome, mas quanto mais eu falava, mais a pequena ria. Por fim, desisti de convencer a menininha e exclamei: – Tá bom, você venceu! Vou contar o meu nome DE VERDADE, mas não espalha por aí, certo? – Ela fez que sim com a cabeça enquanto eu dizia: ­– Meu nome é Gertrudes! – Agora sim! Disse ela, satisfeita, e saiu pulando para perto das outras crianças.
            Naquele dia, entendi que já que meu verdadeiro nome foi a grande piada da vez, eu não dependia mais dos adereços para tentar fazer os outros rirem. Utilizando do nome “Jamylle”, tomei então como missão alegrar a quem quer que esteja próximo a mim. Sem mais máscaras, continuarei sendo palhaça pela vida afora. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Carta ao filho



Sou estudante de jornalismo e acordo, todos os dias, jornalista em construção. De modo que penso e repenso na minha futura profissão como quem pensa em um filho, um ente querido. É com esse sentimento que me sento para escrever uma carta a esse meu quase filho:

Filho meu,

Sei que você não é muito chegado à História. Como todo jovem, você se perde no hoje de forma tão profunda que às vezes fica difícil olhar para trás. Mas mesmo assim, para começar essa minha carta, recorro à sabedoria de tempos passados.

Aristóteles, um filósofo que você já deve ter ouvido falar, deixou a seu filho Nicômaco um manual de felicidade, cujo nome, certeiramente, ele deu de “ética”.

Sinto que você anda triste, desencantado da vida. E é justamente o caminho que o filósofo indicou que eu, que só quero o seu bem, aconselho: ÉTICA. Se ela não é o caminho à felicidade para os outros, para você, com certeza, ela o é. Mesmo que você encontre meios mais atraentes, não se esqueça: só a ética levará à calma que você tanto sonha.

Você anda dramático, meu filho. Às vezes te vejo falando sem parar de coisas tristes, de violência, de negatividade. Sei que o mundo que o cerca é repleto de problemas, mas você, jovem que é, pode contribuir para melhorá-lo, para torná-lo mais humano, ao invés de apenas contar o que vê?

Agora, falo o mais importante, por hora:

Fiquei muito triste por você ter desistido da Universidade. Cuidado com a falta de diploma! ESTUDE muito, meu filho, para você não deixar a “não obrigatoriedade” do seu diploma subir à cabeça e se vir, daqui a alguns anos, se vangloriando por ser bom, mesmo sem ter estudado. Por mais que digam o contrário, se formar em uma Universidade te dará uma visão crítica mais aguçada, além de ensinar sobre a técnica da profissão que você escolheu. Você é inteligente, então te pergunto:

Você acha mesmo que 4 anos em uma Universidade não te fariam um profissional mais preparado? Por isso, reflita, meu filho. Reflita.

Despeço de você com o coração apertado.
Espero que faça as escolhas certas para que se torne o que eu sonhei para você e, dessa forma, contribua para fazer um mundo melhor.

De sua “mãe” excessivamente sonhadora, um abraço.

sábado, 8 de outubro de 2011

O poder do poder




“Querer não é poder”.
 Sempre ouvi essa frase quando era criança. Hoje, alguns anos mais tarde, ela faz sentido para mim. Talvez seja essa a maior tristeza em tornar-se adulto: entender que poder e querer são coisas tão distintas que quase se tornam idênticas.

Aplicando esses dizeres sábios na idade adulta, percebo que o poder é poderoso, com todos os pleonasmos que a licença poética me permite usar. O poder traz dinheiro, traz fama, intensifica a vida social... até beleza física o poder garante.

Em meio a uma multidão, o poderoso se sente único. Sozinho, uma multidão. Mas o que muitos não sabem e nem sequer imaginam é que o verdadeiro poder que o poder tem é de destruir humanidades.

O poder destrói a capacidade de olhar para os lados: olhar para o lado e para o outro é ser humano.
O poder destrói a vontade de fazer o bem: fazer o bem é ser humano.
O poder destrói aquela sensação boa que só a humildade traz: sentir-se bem em ser humilde é ser humano.
Tudo isso se esvai com o poder.

Talvez mais poderosa que a capacidade de transformação que o poder traz é a saga para alcançá-lo. Para chegar ao estágio de ser poderoso, o não-poderoso utiliza os mais variados métodos. É nesse estágio que o resquício de humanidade começa a chegar ao fim.

Entre querer e poder, portanto, fico com o primeiro. Quem quer, trabalha. Quem trabalha não tem tempo para pensar no poder que possui. 
Quem quer é humano.

Se me disserem que estou errada, que essa fome por poder é intrínseca ao ser humano e que não compartilhar dela é que é a exceção, abdico do meu diploma de humana e me auto classifico como um E.T.  Um E.T que quer, excessivamente, já que o único poder do qual preciso é o poder de querer.

Assim, faço uso das palavras de outro ET querente que passou pela terra tempos atrás: “Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações”  e convido aos Et’s perdidos pelo mundo:

CELEBREMOS!




sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O que é macumba?



Sempre fui metida a ler filosofia. Quando adolescente, trocava Harry Potter por Schopenhauer. Já vi filmes, fui a debates... só para conhecer mais sobre esse mundo cheio de pequenas loucuras e grandes responsabilidades.  Não encontrei muitas respostas, mas hoje, afirmo sem nenhuma dúvida: todo filósofo é criança. Se não fossem, de onde tirariam aquelas perguntas todas sobre tudo quanto há? Não foi assistindo filmes ou lendo “Assim falava Zaratustra” que cheguei a essa brilhante conclusão.

Domingo de sol, parquinho lotado, mães de todos os jeitos vigiavam seus filhos loirinhos de olhos azuis, negros de cabelo enroladinho, suas meninas segurando bonecas ou seus moleques jogando peteca.  Eis que surge uma voz 
doce, aos gritos, no vai e vem do balanço infantil:

- DINDAAAA, O QUE É MACUMBA?

Olhei para baixo, para os lados, na esperança de que a pergunta passasse despercebida. Entre risos, as mães e quantos outros adultos presentes no local procuravam o destinatário daquela pergunta. Fiquei em silêncio.

- HEIM, DINDAAAA? VOCÊ PODE ME EXPLICAR O QUE É MACUMBA?

Pronto, não havia mais jeito de negar: era pra mim que o questionamento se destinava. Pensei por alguns instantes a melhor forma de responder ao meu sobrinho de 4 anos e às outras dezenas de pares de olhos atentos ao que eu iria dizer a ele.

- Macumba é uma coisa ruim...

-IGUAL CASTIGO?

- Não...

- IGUAL FANTASMA OU IGUAL BRUXA?

- Ééé... igual bruxa.

- MACUMBA ANDA DE VASSOURA?

- Não...

- MACUMBA ANDA DE QUÊ?

- Macumba não anda, não.

- NEM TEM CALDEIRÃO?

- Não, macumba fica DENTRO do caldeirão.

- MACUMBA É SOPA?

- Não, macumba não é sopa.

- ENTÃO O QUE QUE É?

- Macumba é macumba, oras.

- QUE CARA QUE A MACUMBA TEM?

- Macumba não tem cara.

- É HOMEM OU MULHER?

- Não é nem homem, nem mulher.

- MACUMBA É CRIANÇA?

- Não.

- É BICHO?

- Não é bicho, não. Macumba é uma coisa que a gente não consegue ver, nem 
pegar.

- MACUMBA É IGUAL FUMAÇA?

- Quase.

No ápice da conversa, as mães já nem olhavam se os filhos estavam por perto ou se estavam comportados. Será que elas também queriam saber o que é macumba?
Após alguns minutos de diálogo:

- DINDA, PODE FALAR A VERDADE!

Eu me assustei e antes de planejar o que responder fui interrompida:

- PODE CONFESSAR QUE VOCÊ NÃO SABE O QUE É MACUMBA!

Senti um alívio, e disse, por fim:

- Pois é... eu não sei mesmo o que é macumba.

Não faço ideia se “macumba” assim, nesses termos, já foi tema de alguma teoria filosófica ou se algum pensador já dedicou horas do seu dia, naquela posição digna de Rodin, a divagar sobre o tema. No entanto, tenho certeza que a maiêutica de Sócrates era essencialmente infantil.  Afinal, à exceção das grandes mentes famintas e grávidas de uma idéia, só as crianças têm essa insistência pura de conhecer o mundo.

Segurando uma bola de futebol e sonhando com o picolé de mais tarde, meu pequeno grande filósofo terminou a manhã de domingo, sem saber o que é macumba.







  

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Só que ao contrário



Hoje acordei e pensei em abrir a janela, aí me lembrei que o meu quarto não tem janela. O meu quarto tem porta. Duas portas. Ter um quarto sem janelas influencia diretamente o ser humano que você se torna. Reparem: em vez de abrir a janela de manhã, abro a porta! E porta é o lugar que o mundo entra, então, todos os dias, abro a porta para o mundo.

Pois bem, voltemos ao início do dia. Como já disse, acordei e abri a porta. Nisso, vi um céu azul tão bonito que torna clichê escrever sobre ele. Vi pessoas tranqüilas, olhando o dia enquanto bocejavam a preguiça boa em acordar cedo. Reparei que estavam todos a pé. Não vi nenhum carro, nenhuma moto, não ouvi buzinas, nem apitos de guarda de trânsito. Assim foi a primeira impressão do meu dia. Só que ao contrário.


Enquanto ia para o trabalho, respondi aos cumprimentos animados das pessoas que também iam trabalhar. As mães que levavam os filhos pequenos para aula pareciam ter saído de uma daquelas propagandas de Sazon, de tão felizes que estavam. Os universitários estavam todos acordados, sem ressaca nenhuma, animados em estagiar e depois almoçar em conjunto no bandejão. Assim foi a minha segunda impressão do dia. Só que ao contrário.


Abri um jornal e vi notícias de todo o Brasil. A presidenta resolveu ouvir às greves todas e os trabalhadores estavam felizes, segurando uma estrelinha do PT como nos tempos do Henfil... Os bancos voltaram a funcionar e havia filas enormes! Todos estavam querendo sacar os impostos devolvidos ao povo por falta de uso. Vi isso tudo no jornal. Aí senti um orgulho tão grande em poder ser jornalista. Só que ao contrário.


Orgulhosa da minha futura profissão, liguei a TV. Vi o jornal Hoje antes de ir pra aula. Ouvi o Evaristo denunciando  centenas de equívocos e trapaças no interior do país. Fui para aula e encontrei um monte de pessoas interessadas no curso e no mundo. Tive discussões interessantíssimas, dignas do “superior” que nomeia o ensino. Tudo isso me aconteceu. Só que ao contrário.


Ao ir pra casa, encontrei outros tantos com o mesmo objetivo. Foi bom pensar que todo mundo vê no seu lar um ambiente de paz... A palavra casa ainda é boa pra muita gente. Só que ao contrário.


Ver isso tudo, essa realidade tão boa, me tirou até a vontade de lutar por melhorias. Está tudo tão bonito que me senti livre de reivindicar algo. Senti um alívio, agora posso assistir a minha TV por assinatura sem peso na consciência. Posso deixar de comer sem pensar que tem gente por aí que não come. Posso faltar às aulas e parar de ler os autores que me tornariam mais crítica. Posso deixar de assistir ao Gláuber e ver uma comédia romântica. Posso ler o Henfil e pensar que o trabalho dele já não serve mais. Posso deixar de ser jovem e curtir a minha aposentadoria precoce que a perfeição que vi na minha porta me deu de presente. Posso sentir isso tudo. Só que ao contrário.


Por fim, fechei a porta para dormir. Aí reparei que não é o meu dia que esteve ao contrário, mas o mundo que há tempos está. E todo mundo vê e se revolta.

Só que ao contrário.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A dor de dente que dá na gente



Em séculos de história, o homem sempre viveu de ar, água, comida e mistério. Mistério? Sim. É o mistério de não saber o que tem do outro lado do rio que levou o homem a nadar; o mistério em entender a natureza que nos rege levou à existência dos cientistas; o mistério da sociedade imperfeita deixou Marx de “barbas de molho”. Há mistério na história, nas religiões, nos relacionamentos, nos processos seletivos...

Em tudo quanto se possa pensar, há mistério.
Mas o maior mistério de todos é: POR QUE OS SISOS NASCEM? Talvez dentistas, estudiosos e curiosos de plantão já tenham desenvolvido teorias cheias de porquês e quases pormenores, tentando solucionar o caso que, dito por fonte segura, já deixou Sherlock Holmes sem dormir... Mas nada explica tamanha atrocidade!

A criança nasce sem dentes, sofre horrores pra conseguir ter um sorriso completo e, depois de uns poucos anos, já é hora de trocá-los novamente. Nisso, tem toda aquela história de fada dos dentes que nunca chega e a insistência materna em fotografar as “janelinhas”. Isso não é fotografia: é prova criminal, atestado de feiúra.

Depois de ter superado o trauma, anos depois, quando a pessoa já esqueceu do sofrimento odontológico passado, surge uma pequena pontada, entre uma cerveja gelada e outra. É quando começa-se a mastigar a ponta da caneta mais que o normal, numa atitude semelhante à dos bebês que “coçam” seus dentinhos em brinquedos sabor tuti-fruti. Pasmem! Aos 19 anos, para uns; 22, para outros, lá está o indivíduo colocando mais um dente no mundo. Que revolta!

Mas não. Como se não bastasse o ridículo de “coçar” dentinhos na idade adulta, é preciso enfrentar a notícia de que os novos integrantes bucais não contribuirão para um sorriso melhor. Será preciso arrancá-los. Assim, sem dó, nem piedade. Aí, feita a despedida, serão 7 dias sem comer, sem beber, sem nada: um culto pagão à não-longevidade do siso.

Maior que o mistério em entender esse processo doloroso pelo qual passa o ser humano, é responder ao porquê de ainda não existir o MDSS: movimento dos sem siso, ou algum órgão de proteção aos sofredores dos sisos precoces, ou ONG’s, letra de funk, página no facebook, tweet do dia...

Será que não seria agora o momento de aproveitar a febre das greves que começam com tudo e terminam em nada e lutar pelos direitos dos sofredores dos sisos?

Sem-sisos sensíveis do Brasil: uni-vos!

domingo, 25 de setembro de 2011

A primeira crônica



            O ser humano sempre valorizou o final das coisas. Talvez pelo mistério da morte – fim de tudo, talvez porque seja esse o grande desafio da humanidade: dar fim ao fim. Já inventaram-se  máquinas, gramáticas, religiões, nações... mas até hoje ninguém soube inventar a cura pra teimosia que o tempo tem de passar e levar consigo os dias, as pessoas, as ideias, os fatos.
            Talvez por isso, por essa submissão a que todos estamos incluídos, a expectativa pelo “fim”, pelo “último” é sempre muito grande. “Devemos viver cada dia como se fosse o último”; “Assim eu quereria meu último poema”;  “O mundo acaba ano que vem?”
            Esse culto à transitoriedade de tudo nunca me pertenceu.   O início das coisas é tão mais gostoso!  Por que não viver o dia como um re-começo? O início é sempre uma oportunidade. O fim? Ah, o fim é uma saudade, um arrependimento, nostalgia...  Às vezes é bom esquecer que tudo tem seu tempo e que todo tempo tem seu final.
            Foi com o frio na barriga dos começos e com o empenho dos iniciantes que passei uma semana procurando um tema para a minha primeira crônica. Sete dias olhando cada situação como uma proposta. Um policial armado andando pela rua à noite? Crônica! Um palco vazio, por trás de um palestrante? Crônica! O nascimento da flor do meu pé de trevos de quatro folhas? Crônica! Uma roda de violão? Crônica! Mas nada mostrou-se tão importante para a minha primeira crônica quanto a minha primeira crônica.
            A vontade de saber encaixar as palavras de um jeito saboroso, a responsabilidade de estrear bem, o medo de ter meus parágrafos abandonados antes do final,  e, sobretudo, a humilde pretensão, se é que isso é possível, de causar em quem ler o desejo de fazer do agora sempre uma estreia.
            Assim eu quis a minha primeira crônica. E, por hora, isso basta. Talvez pela imortalidade que a juventude me dá, talvez por não cogitar abrir mão da paixão pela escrita, ou quem sabe, por ter o privilégio de não me preocupar com o futuro, mantenho a certeza que minha última crônica não virá. Não importa se for a segunda, a vigésima ou a última: todas as minhas crônicas serão sempre a primeira. Serão sempre a minha estreia. Esse frio na barriga? Essa incerteza do que relatar? Esse olhar inocente, ainda que não ingênuo? Estarão sempre comigo.
            Mais do que técnica, a crônica é tato, sentimento. Se daqui a muitos anos, as minhas palavras não se deixarem envelhecer pelos cansaços desse mundo e eu conseguir transmitir esse entusiasmo de hoje, não terei muito mais o que pedir. As chances para isso são muitas, afinal, cada vez que eu me sentar para escrever será a primeira vez, será uma chance.
            A vontade sincera desse meu início? Que seja crônica.