sexta-feira, 18 de julho de 2014

Qual é a mala que te define?

Mala de mão. Mala gigante. Mochilão de viagem. De couro. De plástico. Vermelha. Com listras e com bolinhas. Há diversos tipos de malas, cada um pensado para servir a uma necessidade diferente: uma média para quem vai passar duas semanas na praia; uma grande para o universitário que leva as roupas sujas pra lavar em casa, como bem diz o ditado; uma mala enfeitada para os distraídos de plantão não perderem seus pertences na hora do desembarque; uma mala gigante para aquele que decidiu mudar de casa. Uma mala.  

Talvez um dos grandes dramas modernos – e que já possui milhões de adeptos – seja a agonia do fazer e desfazer malas. Escolher cada peça que terá o privilégio de sair do armário e conhecer outros cantos exige concentração. No entanto, essa agonia existe por algo um pouco mais essencial: as malas não carregam só roupas, sapatos, presentes. As malas carregam expectativas e, por isso, os tipos de malas dizem muito sobre quem as carrega.


Ainda me lembro da minha primeira mala. A ocasião: uma viagem com a escola e quatro dias num balneário, curtindo a agonia e a delícia de estar longe de casa pela primeira vez. A idade: 14 pouquíssimos anos. A mala: uma mochila da Company – sucesso na década de 1990 – que peguei emprestado da minha irmã mais velha. Essa mala, ou mochila, como preferirem, era descolada (na época) e representava, justamente, o começo da minha juventude.

A segunda mala tampouco era minha, assim de papel passado. Era uma mala de couro, meio brega, que o meu pai ganhou de presente de aniversário. A ocasião: um congresso de jornalismo e a primeira viagem a outro estado, sem nenhum acompanhante. A mala ainda não era minha, não tinha identidade, mas já era uma mala e não uma mochila. Tudo mais sério. Esses tais primeiros passos.

A terceira – e penúltima mala até então – é grande, esverdeada, com cadeados e rodinhas: um sucesso! A ocasião: o intercâmbio e a mudança temporária para outro país. Comprei essa tal mala num shopping, com a minha mãe me acompanhando numa quase cerimônia social que afirmava que a tal idade adulta tinha chegado de brinde. Saí com a mala da loja, ainda embrulhada num plástico, e, enquanto exibia a conquista como uma medalha, pensava na esperança que tinha (e tenho) de que ela me acompanhasse a lugares lindos.

A última mala foi comprada sem ajuda de ninguém. E não é bem uma mala, mas, sim, um mochilão daqueles enormes pra quem carrega uma vida na mochila e resolve sair por aí conhecendo sorrisos. Depois de tantas escolhas, está eleita: essa é minha mala. Informal, conservadora na sua rebeldia, alegre, com o medo escondido num bolso e a coragem tomando todo o espaço restante. Colômbia, Uruguai, Cuba... América Latina inteira. O roteiro já está definido, a mala – e a personalidade – seguem em construção.

Afinal, qual é a mala que te define?


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Alemães, fiquem um pouquinho mais!

Durante o último mês, Santa Cruz de Cabrália, Bahia, recebeu a seleção alemã de futebol.  Os jogadores dançaram com os índios, viram novelas, falaram português, comeram farofa, gravaram vídeos, tiraram trocentas fotos e, para completar, foram embora e deixaram de presente um cheque de 10 mil euros para que a comunidade pudesse comprar uma ambulância.

Os brasileiros, por sua vez, não economizaram elogios aos alemães. Nas redes sociais, o amor pela Alemanha brotou com uma força tão grande que nem os sete gols puderam evitar. De tudo isso, o que mais chama a atenção é que o brasileiro, assustado pela atitude alemã, tenha se comovido mais com a solidariedade européia que com o fato de uma comunidade ter que contar com a boa vontade internacional para comprar sua própria ambulância.  

Se é assim, fica o pedido: alemães, fiquem um pouquinho mais! Não vão embora sem passar por Minas Gerais e conhecer as muitíssimas famílias do interior que se apertam em casas minúsculas por não terem como se mudar para outros lados. Não deixem de passar pelo nordeste e ver como é sofrer a pior seca dos últimos 50 anos com pouca ajuda do poder local. Passem por São Paulo, provem o pastelão e, de quebra, aproveitem para escutar as histórias que andam circulando nos metrôs, entre uma encoxada e outra. Voltem ao Rio de Janeiro, onde receberam a taça, e observem o quão violenta pode ser a nossa polícia.

Alemães, o Brasil tem um coração grande e possui uma desigualdade social ainda maior. Nosso Estado, que é um dos mais ricos da América Latina, não consegue enxergar que a comunidade em Santa Cruz precisa de uma ambulância ou que, em Roraima, o sul do estado anda sofrendo com uma situação quase à beira do caos.  O nosso Estado que, esse ano assistirá e participará das disputas eleitorais, se sente tão orgulhoso das boas mudanças nos últimos 12 anos que parece se esquecer que ainda há muito o que fazer para acabar com a pobreza no país.

Estamos a poucos meses das eleições. Alemães, fiquem um pouquinho mais e convençam o Podolski a sair por aí lembrando a cada cidadão o sentido de ser brasileiro. Não vão embora, alemães, até que possamos dizer “Não, muito obrigado” a qualquer presente como o cheque que vocês deixaram e que, para quem entende que nem tudo é futebol, doeu (bem) mais que os sete gols que vocês fizeram contra a nossa seleção.