segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sujeito: passivo?



O Henfil tinha raiva da morte.
A minha irmã salva cachorros de rua.
Minha mãe levou a poesia de Vinicius para o bairro mais pobre da cidade.

Três orações. Três sujeitos. Singulares.

“Eles não estão preparados para votar”. “Eles não sabem o que é cultura”. “É distribuir pérolas aos porcos!”. Em um mundo em que fortalecer a própria voz é a ordem do dia, um canto de vozes desafina os bons modos. Tortos, definem o que é o culto e o que não é. Oculto, o preconceito preguiçoso que aceita as contradições do lado de lá. Um muro invisível, pré-combinado, que impede a mudança. Impede o conjunto. Define a massa. 

A poesia de Vinicius de Moraes subiu o morro, bateu na porta da escola construída entre barrancos. Chegou cansada, tímida ao ver aqueles tantos olhos das crianças que a esperavam. Mas poesia é poesia! Ela não reparou nas roupas simples, nos atos simples, nas meninas simples. Entrou com tudo, como se estivesse nos palanques bonitos das Universidades ou nas casas de quem não anda de ônibus, não gasta o sapato...   
Minha mãe levou poesia para o bairro mais pobre da cidade. Agora, quem nem desconfiava dos lirismos dessa vida, canta a garota de Ipanema. 

Outro dia, um homem arrastou seu cão enquanto dirigia o carro. Ontem, vi uma senhora dividindo um pão entre suas três crianças e um filhote. Enquanto isso, a cidade grande que movimenta economias nunca para. É um eterno entrar e sair de casas, de trânsitos, de lojas. As pessoas estão sempre correndo: é preciso entrar em forma, afinal. Não se vêem os bueiros com seus ratos, as esquinas com suas mulheres, não se vêem os cães. Mas a minha irmã salva cachorros de rua. Agora, da estrada em que estão também os ocupados no seu próprio correr, ela ganhou mais dois olhos para correr junto. A minha irmã salva a rua dos cachorros? Não. A minha irmã salva os cachorros de rua.

Sorte e Morte. Entre rimas, razão. O Henfil tinha raiva da morte. Da dele, dos meninos que comiam farinha, da solidariedade. Morte é fim e todo fim é uma espécie de sorte. O intervalo é chance. Oportunidade de temer o desfecho e agir, de levar poesias para o bairro mais pobre da cidade, de salvar cachorros de rua...

A poesia levou a minha mãe para o bairro mais pobre da cidade.
O cachorro salvou a rua da minha irmã.
A raiva da morte me dá medo do Henfil.

A singularidade dos sujeitos fez três orações. E eu as rezo, pacificamente ativa.  

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