“Arre, estou farto de semideuses! Onde há
gente no mundo?”* escreveu o poeta através de um de seus heterônimos mais
fascinantes. Certamente, nem Fernandos, nem Álvaros referiram-se à sociedade de
hoje. No entanto, como toda genialidade tem um quê de imortal, arrisco-me a
utilizá-la.
O excesso de teorias sobre o
excesso de informação já está excessivamente bem informado. O que parece ainda
oculta é a contradição: a informação fácil matou a curiosidade. Acostumamos ao
superficial, às poucas linhas, às únicas versões. Assim, temos nos tornado
também superficiais – o que, de certo, faz com que mereçamos poucas linhas numa
única versão mal feita de nós mesmos.
A verdade é que a humanidade está
repleta de pseudos. Não pseudônimos, como os do poeta, mas pseudo posições,
pseudo ideologias, pseudo conhecimento, pseudo ídolos, pseudo loucos. Pseudo...
pseudo... pseudo... e somos com uma sinceridade tão verossímil que chega a nos
doer.
Somos revolucionários convictos
em frente aos nossos computadores.
Somos
socialistas-marxistas-russos-cubanos enquanto não precisamos enfrentar o
mercado de trabalho.
Somos ambientalistas antes do
próximo churrasco no prédio da frente.
Somos brasileiros durante o
futebol.
Somos absolutamente contra a
corrupção dos outros, mas cometemos nossas pequenas corrupções diárias. Por que
não?
Somos humanistas quando doamos
R$5,00 no tele-criança-que-nos-enche-de- esperança e contribuímos para acabar
com as nossas (nossas?) contradições sociais. (Atitude tão poética que chega a
rimar, sem riquezas – de métrica ou de ação)
Somos cri–críticos que utilizam
da primeira pessoa para xingar tudos e todo numa página de internet. Uma generalização
tão pseudo quanto real.
E continuaremos assim, até que os
anjos, os santos, os norte-americanos ou nós mesmos soltemos aquele grito de
silêncio: “Pseudo, psiiiiiiiiiu!”
Até lá, pseudo-eu que, retomando
o português do poeta, “tenho sofrido a angústia das pequenas coisas
ridículas”* desse
verdadeiro pseudo-mundo, abafo o meu grito, entupindo a garganta, sem voz.
* Fernando Pessoa –
Álvaro de Campos.
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