sexta-feira, 10 de abril de 2015

Somos todos Manuel

O meu nacionalismo corre nas veias: rápido, sincero, pulsante. Hoje, ouvi no rádio um cantor negar o próprio português e então corri para o meu armário e vesti a minha capa verde amarela: aquela que escondi no último sete a um. Admirei o meu reflexo no espelho, tão made in Brazil, e corri para o mundo obedecendo à vontade de provar que não sou menos culto que um europeu. O inglês é universal, mas eu sou dono das minhas escolhas. Saí, indignado. O meu grito percorreu ruas, favelas, Planalto Central. Alçou vôo. Reuni multidões a favor da minha causa nacionalista. Lutei.

Na Câmara Federal, o projeto de lei 4330 está escrito em português. No entanto, o texto não causou em mim tanta indignação quanto a declaração daquele cantor que ouvi no rádio. E daí se esses quatro números representam um retrocesso na causa trabalhista nacional ou se o salário de 18 milhões de brasileiros poderá diminuir significativamente? Nesse texto, ninguém critica a minha camiseta apertada, o meu gosto por futebol ou o meu relógio branco. Nesse texto – que, repito, está escrito em português –, ninguém ofendeu minha pátria amada Brasil. E, mais importante: nesse texto, NINGUÉM duvidou da minha inteligência ou poder de escolha.

O meu nacionalismo corre nas veias: rápido, sincero, pulsante. Dona Terezinha (vocês ainda se lembram dela?) mudou-se para o Piauí depois de ver o seu Eduardo ser atingido por um PM no Complexo do Alemão. Dona Terezinha fala português e também faz parte da “turma simplória” sobre a qual falou o cantor do rádio. Pobre Dona Terezinha pobre. Será que ela também se indignou por não poder ir ao show de jazz na Europa? Não importa. Eu me indignei por ela.

Foto: Poracaso.com
Muitos adolescentes se enfezaram com o discurso do cantor do rádio. Ora, eles são apenas adolescentes, ouvindo música e deixando o cabelo crescer por cima das ideias. Por que não podem viajar pra Europa e pedir um Manuel? Ouvi dizer que querem reduzir a maioridade penal para 16 anos. Disseram isso em alto e bom português. E daí? Contanto que os fãs daquele cantor que apareceu no rádio possam matar a saudade do Brasil quando estiverem em Paris, tudo bem.  

Às vezes, a minha capa verde e amarela me aperta um pouco. Esse cheiro de naftalina impregnado no seu tecido me dá dor de cabeça. Mas um filho teu não foge à luta e, então, cá estou, hino nacional a punho, com muito orgulho, com muito amoooooor. Vou guardar a minha capa dentro de alguns dias, logo que o auê passar. Mas, oh: se aparecer qualquer coisa pela qual precise me indignar, me chamem! Coloco a capa de volta, brasilindo que sou, e saio por aí cantando Imagine: I’m a dreamer...  


domingo, 5 de abril de 2015

O menino Jesus

Hoje é Páscoa: dia da Ressurreição. Para os católicos, renasce Jesus. Dona Terezinha, lá do Complexo, também é Jesus: com documento passado e assinado em cartório. Dona Terezinha, lá do Complexo, também perdeu o seu menino numa quase sexta-feira da paixão. Virão Natais, virão novas Páscoas, virão quartas de cinzas e quaresmas, mas o menino da Dona Terezinha não estará com ela depois desse domingo.

Hoje é Páscoa: dia de comprar chocolates e presentear as crianças. O menino da Dona Terezinha também era criança, também gostava de chocolates e quem sabe até já acreditou em coelhos de páscoa. Será que Dona Terezinha, doméstica, mãe, além de economizar os 200 reais do curso de informática, teria comprado um ovo de chocolate e escondido na sua casa pequena, lá no Complexo?

ReproduçãoFacebook
Hoje é Páscoa. No Brasil inteiro, há gente chorando ao assistir encenações religiosas. Dona Terezinha, a mãe do Eduardo, que mora lá no Complexo, também chora. Mas o choro da Dona Terezinha não termina quando acaba o ato e chegam os aplausos. Dona Terezinha não tem nada o que aplaudir. Não há encenação alguma em seu drama.

Hoje é Páscoa. Amanhã é segunda-feira de uma semana qualquer. Todos se esquecerão do domingo, dos seus bacalhaus e suas missas. Para a Dona Terezinha, mãe do menino Dudu, essa é a primeira segunda-feira de todas que virão: com um “eu te amo” faltando no seu whatsapp e uma lembrança triste bem em frente ao seu portão.

Em todos os anos, repetem-se a Páscoa, a Sexta-Feira e os sábados de aleluia. No Complexo, que é a casa do menino Dudu e sua mãe, Dona Terezinha, repetem-se, todos os dias, uma guerra silenciosa em que, muitas vezes, só há um lado na briga: armado, apoderado, cruel.

Façamos encenações nas ruas de pedra. Façamos teatros e choremos nossas cruzes. Não vamos deixar que se esqueça o sofrimento dele, que morreu por muitos. Passemos adiante: o menino Dudu não está nessa Páscoa, nem estará nas outras que virão. Que toquem os sinos de todas as igrejas e espalhem o recado: não há mais o menino, que também era Jesus, mas há muitos Judas e muitíssimas pessoas que apenas lavam as suas (nossas) mãos.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Onde moram os infelizes?

Felicidade. Para a Wikipédia, um estado durável de plenitude e satisfação. Para Vinicius e Tom, uma coisa louca e, claro, delicada também. Para o filósofo Demócrito, ética. Para o meu sobrinho de dois anos, chocolate e uma fantasia de algum super herói. Já para o meu avô de 92, um café forte e um cochilo depois do almoço. O Guimarães disse que ela se acha em horinhas de descuido. Enquanto, para o Drummond, ela é o caminho – com pedras ou não.

Talvez o pai de todos os clichês seja o que diz: a felicidade está nas coisas simples. Sorriso banguelo de criança. Bolha de sabão. Domingo de chuva. Sábado de sol. Abraço de mãe. Grilo verde na janela. Cheiro de pipoca. Segunda-feira de feriado. E por aí vamos. Mas, se é assim tão fácil encontrar a tal felicidade, por que existe tanta gente infeliz nesse mundão?

No Brasil, 7,2 milhões de pessoas passam fome. E não. Não aquela fome que a gente sente entre o almoço e o jantar. Fome mesmo. Dessas que até dói o coração só de imaginar. Essas pessoas passam dias inteiros sem comer absolutamente nada pelo simples e único fato de não terem condições financeiras. Elas vêem muitos sorrisos banguelos de criança, muitas bolhas de sabão que fogem dos condomínios, muitos sábados de sol e grilos verdes. O que mais querem?

Hoje, dia Internacional da Felicidade, pensei em levar uma fantasia do homem aranha pra cada uma das crianças que fazem parte desses 7,2 milhões de pessoas. Cheguei a colocar no micro-ondas, 7,2 milhões de pacotes de pipocas e distribuir o cheirinho bom pra cada uma delas. Levei o café do meu avô e pedi à minha mãe – que tem o melhor abraço que conheço – pra ir lá e abraçar todo mundo. Nada adiantou: nem grilo verde, nem feriado.

Para o Ricardo Alves, lá do interior de Minas, felicidade é ter um amor, a mãe por perto, amigos e um pouquinho de dinheiro que, convenhamos, não faz mal a ninguém. Já para a Sarah Gonçalves, ser feliz é ter liberdade: de amar, de ir e vir, de viver. O Juninho Moreira, entre uma piada e outra, diz que feliz mesmo é quem tem dinheiro e mulher. A Isabela Azi acredita que o que faz feliz é a família, a realização profissional e o amor. A Samylla Mol acredita que o segredo está no entusiasmo: sentir-se pulsar. E a Maisa dos Anjos fica feliz com internet, comida e cama, por que não?

Não há duvidas de que os 7,2 milhões de brasileiros também desejam amor, amigos, a mãe por perto, liberdade de ir, vir e viver, realização profissional, entusiasmo, cama e internet. No entanto, para essas pessoas, o clichê é ainda mais comum: eles, antes de tudo, querem ter o que comer. E talvez isso já seja ser feliz.

Hoje é o Dia Internacional da Felicidade. Pensei em escrever um texto desses cheios de poesia, mas minhas palavras ainda não podem se render ao lirismo e suas métricas complicadas. Minhas palavras são tão simples quanto esses brasileiros. Seja feliz! Mas não se esqueça que outros 7,2 milhões de gente como a gente não o são. 

terça-feira, 17 de março de 2015

¿Contra quién protesta Brasil? *

El 15 de marzo de 1964 se iniciaba el régimen militar brasileño. A partir de esa fecha, el país vivió el período más oscuro de su historia: fueron 21 años de dictadura. El 15 de marzo de 2015, 51 años después, Brasil asistió a una marcha que llevó a millones de personas a las calles. Increíblemente, una gran parte de esas personas pedía, justamente, el retorno de los militares al poder.
Las protestas ocurridas en las principales ciudades brasileñas el último domingo evidencian una insatisfacción con el gobierno de Dilma Rousseff (PT), re-electa presidente del país en octubre de 2014. Sin embargo, para comprender el movimiento de forma efectiva, es necesario tener en cuenta una serie de factores, que casi nunca están citados por la gran prensa brasileña e internacional:
A. El perfil de los manifestantes: el gobierno de Rousseff, así como de su predecesor y también petista Luis Inácio Lula da Silva, es el responsable por la creación y mantenimiento de medidas de combate a la desigualdad social en Brasil. A través de las becas y programas de reparto de ganancias, el gobierno logró disminuir significativamente la pobreza, permitiendo, así, que millones de personas tengan, hoy, oportunidades antes restrictas a una parcela mínima de la población. No es secreto que ese avance de la llamada "nueva clase media" incomoda a millares de brasileños que, constantemente, en sus perfiles de las redes sociales, se quejan de que "ahora todos pueden viajar en avión", "cualquiera tiene la posibilidad de frecuentar la universidad", o, el dicho más común, "es imposible encontrar gente para trabajar como doméstica, ya que ahora todos ganan plata del gobierno". Es evidente que la motivación de las últimas protestas no es solamente esa insatisfacción en relación a los cambios sociales. Sin embargo, es importantísimo saber que el perfil predominante de los manifestantes es, sí, el del hombre blanco y rico.
B. La actuación de la prensa: Mucho se sabe de que los dueños de los principales medios de comunicación de masa en Brasil son contrarios a los gobiernos de Lula y Dilma. Sin embargo, después de las últimas elecciones, esa posición se tornó aún más evidente. Luego de que empezaron los rumores sobre las protestas del 15 de marzo, la prensa brasileña se transformó la "agenda del movimiento", divulgando diariamente la programación de las protestas e, implícitamente o no, invitando a las personas para que participen de las acciones. Es fundamental entender también la constante tentativa de los medios brasileños de crear una especie de pánico general, tratando la información de una forma completamente imparcial, que lleva a creer que Brasil vive los peores momentos de su historia: política y económica. Lo que, seguramente, está lejos de ser verdad.
Con carteles en inglés y alemán, manifestantes piden ´intervención militar´
C. Rousseff y PT: El odio al Partido de los Trabajadores (PT) estuvo presente en la mayoría de las pancartas divulgadas en la marcha del domingo, que constantemente asociaban el partido con la corrupción en el país. La corrupción en Brasil – así como en otras naciones latinoamericanas – es real y preocupante. Pero lo que muchos parecen desconocer es que ese problema existe desde el principio de la historia del país: se profundizó durante el gobierno militar y siguió después en los años de neoliberalismo y del petismo. Sin embargo, fue en el gobierno Lula, en lo llamado "mensalão", que pasaron a investigar el tema. Además, el juzgamiento de los políticos denunciados de "corruptos" con sustento, ocurrió por primera vez en Brasil durante el primer mandato de Rousseff. Otro factor interesante, por así decir, es la tentativa de aproximar el PT al comunismo. En las protestas, fueron comunes frases que decían: "Brasil no va a ser una nueva Cuba", "Fuera comunismo!", "SOS intervención militar". Relacionar el Partido de los Trabajadores al comunismo es mostrar una ignorancia en relación al partido y, principalmente, al comunismo en sí mismo.
D. El avance fundamentalista en Brasil: El movimiento ocurrido en el último domingo tiene por detrás varias posibles figuras protagonistas: una empresa petrolera norteamericana; el candidato derrotado Aécio Neves; la principal red televisiva brasileña, la Globo. Sin embargo, quién protocoló el pedido de impeachment contra la presidenta Dilma es el diputado Jair Bolsonaro (PP). Bolsonaro, es uno de los políticos más votados en las últimas elecciones, es la cara del fundamentalismo religioso en Brasil. Declaradamente homofóbico y conservador, el diputado va en contra los derechos humanos constantemente. Evangélico, es conocido por defender el retorno del régimen militar y por creer en la tortura como práctica legitima. Es enorme el gran número de personas que siguen a Bolsonaro. En la protesta, estas salieron con cartones de "No al aborto legal", "No a la unión homoafectiva", entre otras declaraciones que parecen no pertenecer al siglo XXI.
Las protestas en Brasil no son un fenómeno aislado. Al contrario, el hecho parece hacer parte de las movidas desestabilizadoras que hay actualmente en América Latina. Sería de mucha coincidencia que los brasileños (o, por lo menos, 1% de los brasileños) resuelvan salir a la calle al mismo tiempo en que el gobierno de Nicolás Maduro, en Venezuela, recibe duras declaraciones de los Estados Unidos o que el gobierno de Cristina Kirchner, en Argentina, es acusado de encubrir a los responsables de acciones terroristas ocurridas hace más de 20 años atrás.
No es nada irracional creer que la América Latina pasa por un momento de fortalecimiento de la extrema derecha, que intenta retomar el poder con el apoyo norteamericano. No es fantasía. Tampoco es la primera vez que eso ocurre. Lo que sí parece increíble es que un sector social salga a marchar por voluntad propia, pidiendo el retorno de los militares para mantener la democracia. "El discurso del odio", ¿qué lo podrá apagar?

* Texto publicado no jornal argentino ReportePlatense em março de 2015.

sábado, 14 de março de 2015

A revolta das panelas


Seus gritos ecoam pelos condomínios. O soar de suas panelas acostumadas ao sossego de domingos fartos confunde o silêncio rigoroso de todas as noites.  Os palavrões que saem de suas bocas tão profundamente bem educadas parecem contradizer a finesse da classe. A chuva de nacionalismos que jorra de quem nunca acreditou no país denuncia que, ali, dentro daqueles muros, pouco se sabe sobre o que faz o Brasil. Contraditoriamente, eles não economizam nas bandeiras e nas camisas da seleção, ufanistas desde criancinhas.  

A mídia bate-panelas, tão acostumada a enquadrar a realidade do seu próprio modo vesgo, faz com que eles acreditem que são a maioria; que seus condomínios são as ruas de todo o país; que a sua crença não só é a mais certa, mas a única possível; que eles devem ser os heróis de um país à beira do caos. Caos. Para evitar esse perigo iminente, eles sairão a marchar, como um exército de escolhidos. Afinal, eles têm a sabedoria. E sempre a tiveram, desde os tempos de eleição.

Ao badalarem os sinos, os portões de cada condomínio fechado se abrirão. Cada mão segurará democraticamente o seu cartaz escrito em inglês. Cada coração verdeamarelindo declarará seu ódio pelo vermelho assustador. Cada consciência desfilará tranqüila pela cidadania exercida e pelo sapato sujo com barro de rua pela primeira vez. Levarão água e barra de cereais. Light.

Afinal, o que eles querem? Defender uma democracia oligárquica que deslegitima toda uma eleição? Garantir que sejamos todos iguais, mas uns caetanamente mais iguais que os outros? Acabar com uma corrupção que, embora real e visível, só começou a ser investigada de fato nos anos vermelhos do Brasil? Ou será que, de repente, defender as empresas nacionais virou página importante na bíblia que alimenta essa fé, tão certa e direita?

Afinal, pelas barbas de Fidel, o que eles querem? Impedir que o Brasil se torne Cuba e que, de repente, todos comecem a fumar os charutos que eles se presenteiam no Natal? Acabar com essa história de bolsa esmola disso e daquilo, para que o brasileiro finalmente aprenda a pescar sua própria sardinha? Ou será que eles estão com medo do golpe comunista que o fantasma do Jango trouxe na última sexta-feira 13?    

Eles. Nós, não. Desse lado, o que bate o coração (valente, por que não?), o ódio fala mais baixo, quase em sussurros. Escolhemos nosso nome cinco meses atrás. E escolher é se mostrar, é dar a cara a tapa, é defender uma utopia (ou uma vontade, que seja). Há, de fato, os que escolhem por interesses mesquinhos, individuais, hipócritas. Mas há, sobretudo, os que escolhem porque acreditam, porque esperam, porque querem fazer parte da construção de uma história melhor. Há os que escolhem porque sonham, com os pés no chão e as panelas no fogo, vigilantes. E sonhar, ao contrário do que eles imaginam, não é deixar de criticar. Mas é, sim, saber por que e como fazê-lo.  

Que me perdoe cada brasileiro que está tirando as panelas do armário pela primeira vez. Defendam seus ídolos fanáticos, apontem seus dedos cheios de razão, clamem pelos militares e chorem por toda a nossa corrupção, tão novata. Amanhã, a rua é de vocês. Nos outros 364 dias do ano, ela é nossa. Povo que somos. 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Después del Lago Titicaca: una historia de fronteras*

Documentos, equipaje, inspecciones y permisos: la burocracia tal vez sea el talón de Aquiles de todo viaje. Para quien viaja por tierra en Latinoamérica el gran talón es el momento de cruzar las fronteras entre los países y pasar por la revisión inmigración. Ese tipo de viaje, por ser económicamente más accesible, permite que un gran número de personas, de clases sociales y culturas diversas, circulen entre los países latinos todos los días. Todo eso genera una contradicción estructural: de un lado, los tratados de cooperación entre naciones latinas que permiten la libre circulación de personas en países sudamericanos; por otro, la actuación del Estado, que intensifica la vigilancia en las fronteras con la intención de combatir el tráfico de drogas y de otras mercaderías ilegales.
La oficina boliviana de migración, oficialmente llamada de Control Desaguadero en Bolivia, es una de las más polémicas. El Control es parte de la ruta Perú – Bolivia, tradicional destino de quien viaja por tierra en la América Latina, y aparece constantemente en blogs de diarios de turistas como escenario de historias de maltratos a viajeros y de acciones de corrupción. El edificio, antiguo y despintado, no es grande, pero son decenas de personas las que se acomodan allí, a la espera de recibir la autorización de entrada en el país. Los funcionarios no son muchos y, por eso, las colas son casi siempre grandes y lentas. Se hacen al aire libre y no son raras las veces en que los viajeros tienen que esperar que los atiendan bajo la lluvia o sol fuerte.
Benjamín Guevara, Sebastián de Paz y Marcelo Rueda, tres jóvenes deportistas colombianos de veinticinco años, estuvieron en la oficina boliviana en abril de 2014, durante el viaje desde Colombia hacia Brasil con destino al Mundial de fútbol. Fueron sorprendidos por el tratamiento hostil en la frontera y conocieron de cerca algunos de los problemas en límite boliviano.
- ¡Colombianos, saquen la cocaína de la mochila! ¡Ah, no, quiero decir, saquen sus COSAS de la mochila y acuéstense en el piso!
El oficial revisó cada pieza de ropa y cada objeto que componía el equipaje de los tres chicos. Sin embargo, eso no pareció ser suficiente.

-Se dieron cuenta de nuestro acento colombiano y luego cambiaron el trato con nosotros. Era una situación embarazosa: estar en el piso como criminales.
-Ahora muéstrenme que trajeron plata. No se puede entrar en Bolivia con menos de mil dólares. Necesito ver los billetes y saber que ustedes no planean hacer nada ilegal en el país.
Después de mostrar el dinero ahorrado durante tres años de trabajo y, por fin, obtener el permiso de entrada en Bolivia, era hora de comprar los pasajes y seguir hacía La Paz por la ruta nacional. Tomaron un taxi y, mientras seguían, el camino daba la sensación de ser un gran círculo repetitivo y desierto. El auto frenó repentinamente, dibujando de negro el asfalto. El taxista desató su cinturón de seguridad y, sin mirar para atrás, sacó un revólver de la cintura para volver a guardarlo pronto.
-Soy policía y estoy en una búsqueda por traficantes de drogas – dijo y mostró un carnet arrugado y envejecido, con el símbolo de la Policía Federal de Bolivia – Necesito revisar el equipaje.
Con las bolsas apiladas en el asiento delantero, el conductor siguió el camino en silencio. En cuestión de minutos, el coche se detuvo y otro hombre subió al vehículo. Se presentó como un oficial de policía, mostró su arma y folleto, tal cual había hecho el chofer. Revisó las valijas y los tres pasaportes.
-Ustedes no son aquellos que estamos buscando- gritó el conductor, frenando el auto mientras el segundo policía tiraba las mochilas por la ventana.
En cuestión de segundos, el taxi ya estaba lejos. Los dos hombres se habían llevado la plata que tenían. Marcelo, Sebastián y Benjamín decidieron volver a la oficina de la migración y buscar ayuda de algún oficial. Esta vez, fueron encaminados a un lugar aún más chico, donde esperaban cerca de veinte personas más. Eran alemanes, israelíes, otros colombianos, brasileños y franceses. Todos ellos habían sido robados de la misma manera, por agentes conductores de taxis. El personal de la policía turística repitió el mismo discurso a todos los viajeros:
-Nuestro teléfono no funciona y no podemos hacer nada. Ustedes tienen que llamar a la embajada de sus países y buscar ayuda ahí. Aquí, no hay nada que hacer más que presentar una queja.
El miedo, compañero constante durante todo el día, llevó a una revuelta y una enorme frustración. La única voluntad era salir lo más rápido de Bolivia. Benjamín, Marcelo y Sebastián caminaron hasta la terminal de la ciudad, lejos de la oficina. Allí, pidieron dinero para otros turistas, repitiendo la historia del asalto tantas veces fuera necesarias. El documento emitido por la policía de migración ayudó a demostrar que estaban diciendo la verdad y que la intención era juntar plata, comprar los pasajes hacia La Paz y tomar el primer micro que saliese de Bolivia.
- Yo nunca pedí dinero en toda mi vida, pero con la ira y la desesperación que tenía, en ese momento, lo que menos quería estar en ese país.
La solidaridad de las personas que donaron sus monedas y de los empleados de la empresa de autobuses que dieron un descuento en el precio del pasaje hizo que la estadía en Bolivia durase solo un día. En la misma noche, los tres colombianos siguieron para La Quiaca, la frontera entre Bolivia y Argentina. En la Argentina, llamarían a sus amigos y familia, y juntarían dinero para volver a Colombia. El sueño de ir al Mundial quedó sin cumplir.
Nunca se supo si los asaltantes son o no verdaderos policías, pero quien busque en relatos disponibles online, verá que no son pocas las historias idénticas a la de Benjamín, Marcelo y Sebastián en la frontera boliviana. Sin embargo, en la gran prensa internacional, no hay ningún relato de ese tipo. Cuando se escribe sobre las fronteras latinas, el foco siempre es la actuación del Estado en vigilar quien y lo que cruza la frontera, sin reflexionar sobre los métodos utilizados y sobre a falta de rigor en vigilar también a sus propios oficiales.
La frontera entre Bolivia y Argentina, el Control en La Quiaca, también es el destino de millares de viajeros todos los días y, así como Desaguadero, tiene históricos de problemas entre oficiales y turistas.
Yessid Idrobo y Caren Castro cruzaron la frontera entre Argentina y Bolivia en junio de 2014. El es periodista. Ella es socióloga. Los dos viajaron a la Argentina con la intención de especializarse. Hicieron un viaje por tierra desde Perú para conocer el Lago Titicaca y el centro de Bolivia. En la frontera, pasaron por momentos difíciles.
- Nos trataron a todos como delincuentes. Nos hicieron sacar todo de las valijas y acostar en el piso. Preguntaron hasta por qué no llevamos ropa de frío... La verdad es que los oficiales hacen todo un teatro para encontrar una forma de pedir dinero. Es mucha corrupción y estigmatización.
En la oficina, los atendió un tipo obeso, que no se levantó de la silla de madera en que estaba sentado en ningún momento de la conversación.

- No puedo darles el sello de salida de Bolivia sin saber que ustedes tienen el permiso de entrada a la Argentina. Está muy complicado entrar allá, ya que los inmigrantes han causado muchos problemas.

Caren y Yessid caminaron entonces unos metros hacia la oficina de la policía argentina y llegaron a un lugar chico, sin sillas. El oficial, vestido con pantalones y chaquetas verdes, revisó todo con tranquilidad.
- Necesito ver cuánto de dinero llevan ustedes. Me imagino que saben que no se puede entrar en la Argentina con menos de 1500 dólares cada uno...
- Nosotros no tenemos toda esa plata...
- Pero si ustedes vienen a estudiar acá, seguramente van a gastar más de 500 dólares por mes. ¿Cómo van a sobrevivir si no llevan dinero?
- Nuestra familia nos manda plata por transacción. No quisimos viajar con mucho porque puede ser peligroso. Supimos que los robos en las fronteras son comunes. Mejor no correr el riesgo.
- En este caso, necesito ver el visado de permanencia en la Argentina.
- No lo tenemos. Planeamos hacerlo cuando lleguemos allá.
- Lo siento, pero no puedo dejarlos pasar. Los quiero ayudar, pero son las reglas...Si los dejo entrar, estaré cuestionando la soberanía de la Argentina.
La solución fue, por lo tanto, dormir en la frontera y intentar la suerte en el otro día. Ni bien amaneció, la pareja ya estaba otra vez en la oficina de la migración argentina. Todavía no había cola y ya era otro oficial el encargado de las revisiones. El hombre, aún joven, inspecciona la documentación y libera la entrada, sin mayores preguntas.
Con el pasaporte debidamente sellado por la migración argentina, Yessid y Caren llegan a la oficina boliviana. Todavía es necesario obtener la firma de salida del país. El oficial no es el mismo del día anterior, aunque tenga las mismas ropas y la misma forma de hablar:
- ¿Entonces ustedes lograron el permiso para entrar en la Argentina, no? ¿Eso es porque son buenos ciudadanos o porque les pagaron mucha plata?
Sin contestar la pequeña gran ironía, Yessid y Caren siguieron viaje con una duda: ¿será que en las fronteras bolivianas las reglas cambian del día para la noche?

* Texto publicado no jornal Reporte Platense em janeiro de 2015