terça-feira, 29 de maio de 2012

Quebraram o pirulito da Praça


 Quebraram o pirulito da praça. Acordem suas esposas, despertem suas crianças, peguem suas armas, seus terços, seus santos e corram: quebraram o pirulito da praça!

A cidade toda acordou perplexa: até quem passava, todos os dias, por onde jaz o monumento e nem sequer percebia a beleza da vista se enfureceu. Uma cidade sem praça completa? A-b-s-u-r-d-o.

Todos – moradores, visitantes, jornaleiros, estudantes – tomaram as dores do concreto e, secos como a vítima, apontaram seus dedos, encontraram culpados, choraram, em luto.

Foguetes no céu, chamada no rádio e carro de som: qualquer ser humano preocupado, ciente, engajado que estivesse sofrendo pela morte do pirulito deveria sair de casa: levariam panelas, apitos, tambores, faixas e gritariam a revolta sincera que sentiam.

E, assim, antes do dia nascer, os sensíveis revoltados foram para a praça expulsar seus demônios.

Em um canto, ao lado da igreja, dormiam um cachorro, um velho e um menino. Enrolados em seus papelões, em frente à casa de Deus, eles acordaram assustados. Sentiram a revolta das pessoas que enchiam a praça, e, solidários, assistiram a tudo. “É mesmo um absurdo o que fizeram com o monumento: histórico, importante, notável”.

Os revoltosos revoltados ficaram horas ali, manifestando. Numa ciranda de pedra em volta do túmulo do pirulito, cantavam canções. Alguns choravam, inconsoláveis. Indignados com tamanha injustiça e desamor.

Como todas as indignações urgentes, a festa acabou. As pessoas foram para as suas casas, retomaram suas vidas, saciados pela cidadania exercida: bondosos.

O padre abriu a igreja, as beatas rezaram seus terços. O vigia expulsou o cachorro, o menino e o velho, escondendo a cidade baixa por debaixo do tapete de pés de moleque.

À noite, a praça vazia do monumento dói a lembrança. A presença do cachorro, do velho e do menino passa despercebida - carne e osso, pedra, não.

Amanheceu a cidade com suas trapaças, seus ouros falsos, suas esquinas de cachorros, velhos e meninos, feita pela história e suas prioridades – materiais.




4 comentários:

  1. As desigualdades sociais não anulam a importância de patrimônios históricos, até porque, no caso de Mariana, os monumentos não interessam só aos moradores da comunidade, mas ao Estado como um todo.

    E essa hipocrisia que você destaca me parece vir de uma averiguação apressada e taxativa. Se nossa compassividade fosse proveniente tão somente de constrangimentos sociais, o funcionalismo não teria entrado em declínio.

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  2. Priorize as Prioridades...! enquanto os prédios velhos estão em pé.. a bosta navega pelo doce..

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  3. Quiçá todos os olhares fossem como os seus: perspicazes.

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