A cidade toda acordou perplexa:
até quem passava, todos os dias, por onde jaz o monumento e nem sequer percebia
a beleza da vista se enfureceu. Uma cidade sem praça completa? A-b-s-u-r-d-o.
Todos – moradores, visitantes,
jornaleiros, estudantes – tomaram as dores do concreto e, secos como a vítima,
apontaram seus dedos, encontraram culpados, choraram, em luto.
Foguetes no céu, chamada no rádio
e carro de som: qualquer ser humano preocupado, ciente, engajado que estivesse
sofrendo pela morte do pirulito deveria sair de casa: levariam panelas, apitos,
tambores, faixas e gritariam a revolta sincera que sentiam.
E, assim, antes do dia nascer, os
sensíveis revoltados foram para a praça expulsar seus demônios.
Em um canto, ao lado da igreja,
dormiam um cachorro, um velho e um menino. Enrolados em seus papelões, em frente
à casa de Deus, eles acordaram assustados. Sentiram a revolta das pessoas que
enchiam a praça, e, solidários, assistiram a tudo. “É mesmo um absurdo o que
fizeram com o monumento: histórico, importante, notável”.
Os revoltosos revoltados ficaram
horas ali, manifestando. Numa ciranda de pedra em volta do túmulo do pirulito,
cantavam canções. Alguns choravam, inconsoláveis. Indignados com tamanha
injustiça e desamor.
Como todas as indignações
urgentes, a festa acabou. As pessoas foram para as suas casas, retomaram suas
vidas, saciados pela cidadania exercida: bondosos.
O padre abriu a igreja, as beatas
rezaram seus terços. O vigia expulsou o cachorro, o menino e o velho,
escondendo a cidade baixa por debaixo do tapete de pés de moleque.
À noite, a praça vazia do
monumento dói a lembrança. A presença do cachorro, do velho e do menino passa
despercebida - carne e osso, pedra, não.
Amanheceu a cidade com suas
trapaças, seus ouros falsos, suas esquinas de cachorros, velhos e meninos,
feita pela história e suas prioridades – materiais.
As desigualdades sociais não anulam a importância de patrimônios históricos, até porque, no caso de Mariana, os monumentos não interessam só aos moradores da comunidade, mas ao Estado como um todo.
ResponderExcluirE essa hipocrisia que você destaca me parece vir de uma averiguação apressada e taxativa. Se nossa compassividade fosse proveniente tão somente de constrangimentos sociais, o funcionalismo não teria entrado em declínio.
Priorize as Prioridades...! enquanto os prédios velhos estão em pé.. a bosta navega pelo doce..
ResponderExcluirQuiçá todos os olhares fossem como os seus: perspicazes.
ResponderExcluirDe primeira...
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