segunda-feira, 25 de março de 2013

Tradução


Duas portas e uma cancela meio caída, que soa um ranger incômodo quando cumpre seu abre e fecha teimoso. A cruz colada à parede denuncia a esperança escondida na casinha ao lado da igreja. Interior do interior de Minas. Gente escondida debaixo do telhado de amianto, em cima do chão batido.

Para conhecer os moradores, é preciso bater uma, duas, três vezes na portinha de madeira. Moram longe, onde tudo parece ser difícil: a escola não funciona em dia de chuva. “Quando chove, menina, na estrada, só passa avião!”. A saúde não anda lá muito bem: vez ou outra, aparece um doutor, mas, remédio, não tem! Telefone não “pega”, o preço na venda está caríssimo e a igreja de Santo Antônio, o das causas urgentes, há muito, precisa de reforma.

No meio da praça, centro da cidadezinha que não está no mapa, há um banco, um cachorro, um cavalo e um senhor que observa. Observa os meninos que brincam descalços, inocentes no desconhecer do mundo que os espera. Observa o mato que cresce no cemitério por falta de um coveiro. “É a parte que me cabe deste latifúndio”, diria, se conhecesse João Cabral. Vê uma moto que passa a toda velocidade – único barulho nessa manhã de sábado quente, com suor que escorre no rosto. Tudo está calmo, com um sossego que chega a doer.

Ninguém vai até àquela casinha. Ninguém nunca parou para ouvir as histórias de quem cuida daquele chão como se fosse um filho. Às vezes, mais que tudo – o médico que não chega, a escola que não abre porque relampejou, a estrada que só passa avião –, as pessoas só precisam de alguém que as escute.

Podem dizer que memórias não mudam o mundo, que contar histórias nunca foi arma contra coisa nenhuma. Mas, naquele sábado, entendi – ainda mais – a beleza que há no querer escrever.

Tampei a caneta e, sem querer, balbuciei Caetano: “meu trabalho é te traduzir...” 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Um Marco.


Um marco na história desse Brasil de meu (ou seria do seu?) Deus. Aliás, não um marco, um Marco. O Marco. Feliciano. A Comissão de Direitos Humanos está em festa – com traje de gala, segurança na porta e convite para entrar. Ora, afinal, qual brasileiro não está feliz com o novo presidente? Não consigo pensar em um nome mais apropriado para ocupar esse cargo tão, tão, tão inútil. O Brasil não precisa de uma comissão para zelar pelos direitos humanos, oras! Basta andar pelas ruas, ler os jornais ou assistir à Patrícia Poeta no horário nobre, que percebemos o quanto é dispensável uma comissão desse tipo. Afinal, não há minorias nesse país: somos uma grande massa verde e amarela, completamente idêntica e uniforme.

 Não há quem pense diferente. Não há quem cultue seus próprios deuses.  Não há mulheres nesse oito de março que precisem recorrer a uma Lei das Marias muitas e todas. Não há nenhum tipo de preconceito contra homossexuais: se eles estão no seu próprio canto, que mal há? Desde que não queiram cometer o a-b-s-u-r-d-o de se casar. Que desnecessário celebrar o amor, não é? 

E as raças etnias cores e formas de cabelos? São todas aceitas, respeitadas e têm a mesmíssima oportunidade de ser aquilo que sonham (as cotas são outra medida absolutamente desnecessária, diga-se de passagem). Não há índios expulsos de suas casas para dar lugar à beleza e frieza de um concreto feito para inglês ver em dia de futebol. Não há deficientes que encontram obstáculos quando querem atravessar a rua e comprar um pão. Por falar em pão, todos os brasileiros tem pão, leite, carne, ovos, salada e Mac lanche feliz na mesa. Olha nosso IDH, que coisa mais linda?! Não há quem tenha fome e precise contar os dias no calendário para receber uns reais na hora de tirar o cartão da bolsa família. Família. O Brasil adora marchar pela família. Somos um país que deveria protagonizar uma propaganda de margarina. Êta, orgulho!

Olhando essa perfeição toda (é ‘direitos e humanos’ que não acabam mais!) fica difícil não se emocionar com o Feliciano (tem alegria até no nome, vejam só!) presidindo nossa Comissão. Quem sabe assim não acaba o teatro barato e o Brasil admite para todo o mundo que, por aqui, não precisamos de ninguém zelando pelos Direitos Humanos? Chega de modéstia, gente! Dizem que somos craques em jogar e organizar copas do mundo. MENTIRA! Somos tão craques em garantir os direitos da nossa gente que o plano é acabar com a comissão!

Parem os protestos, tirem as faixas das ruas, não assinem petições. Deixem o país seguir o seu plano, numa reta, com viseiras. Pra baixo. Pra trás.

2013: Feliz-esse-ano. (E ainda é março!)