Aqui
ao lado tem uma pastelaria. Todos os dias, em qualquer hora, as pessoas se
espremem no cubículo de duas portas. Barulho de gordura, sabores variados.
Cheiro de café, garapa, molho de pimenta. Massa de pastel e recheio: cinqüenta centavos
para matar a fome. Apenas cinqüentas centavos! Dez moedas de cinco, cinco
moedas de dez, uma moeda de um e pronto! Pastel comprado!
Nunca
vi tanta gente com cara de povo como na pastelaria ao lado. De segunda a segunda:
gente! Não gente da televisão ou da última revista: gente de verdade, com todo
aquele jeitinho que gente tem.
São
homens com seus uniformes e seus sapatos surrados, mulheres com suas crianças e
seus cabelos penteados, meninos e meninas com seus chinelos de dedo e suas
sacolas. De vez em quando, entram criança, mãe e pai. Cachorro, espera na
porta, sentindo o cheiro da gordura queimando a massa. A massa... O povo.
Desconfio
que todos os brasileiros comem o pastel da pastelaria ao lado: nordestinos,
mineiros do interior ou da capital, sulistas. Do sertão ao litoral: não há um
que nunca tenha vindo experimentar esse símbolo nacional da democratização da
compra e alimentação.
Nos
seis banquinhos entrepostos na pastelaria ao lado, vejo a personificação da
expressão tão recorrente nos discursos todos de tudo quanto há: s-o-c-i-e-d-a-d-e.
É ali, logo, ao lado, que está a sociedade da qual falam os políticos
bem-feitores, os estudantes revoltados, os membros das associações, as leis e
seus códigos, as ONG’s, os filósofos, os cientistas sociais, os moralistas, os
anárquicos, os religiosos: todos. Em cada rosto com suas rugas, suas
imperfeições e impasses, está toda uma sociedade. Um parcela que, conjunta,
compõe o que os ufanistas chamam de nação.
Todos
os dias, povo que sou, compro o pastel da pastelaria ao lado. Observo a fila, a
fome, as conversas e os jeitos. Adoeci! Agora, não consigo mais pensar em
tabelas, gráficos, números e textos quando me falam de povo. Ao ouvir a
palavra, lembro de cada rosto que vejo esperando a hora de comer.
Saindo
da internet, dos jornais e dos livros-super-revolucionários é que descobri: Há
gente na palavra povo.
Agora,
para mim, o pastel tem cheiro de gente. Ou o povo tem cheiro de pastel? Ainda descubro: se o Brasil é mesmo uma grande
massa, será o povo, pastel?
Adorei!
ResponderExcluirPensei a mesma coisa quando fui nessa pastelaria.