quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O povo pastel


Aqui ao lado tem uma pastelaria. Todos os dias, em qualquer hora, as pessoas se espremem no cubículo de duas portas. Barulho de gordura, sabores variados. Cheiro de café, garapa, molho de pimenta. Massa de pastel e recheio: cinqüenta centavos para matar a fome. Apenas cinqüentas centavos! Dez moedas de cinco, cinco moedas de dez, uma moeda de um e pronto! Pastel comprado!

Nunca vi tanta gente com cara de povo como na pastelaria ao lado. De segunda a segunda: gente! Não gente da televisão ou da última revista: gente de verdade, com todo aquele jeitinho que gente tem.

São homens com seus uniformes e seus sapatos surrados, mulheres com suas crianças e seus cabelos penteados, meninos e meninas com seus chinelos de dedo e suas sacolas. De vez em quando, entram criança, mãe e pai. Cachorro, espera na porta, sentindo o cheiro da gordura queimando a massa. A massa... O povo. 

Desconfio que todos os brasileiros comem o pastel da pastelaria ao lado: nordestinos, mineiros do interior ou da capital, sulistas. Do sertão ao litoral: não há um que nunca tenha vindo experimentar esse símbolo nacional da democratização da compra e alimentação.

Nos seis banquinhos entrepostos na pastelaria ao lado, vejo a personificação da expressão tão recorrente nos discursos todos de tudo quanto há: s-o-c-i-e-d-a-d-e. É ali, logo, ao lado, que está a sociedade da qual falam os políticos bem-feitores, os estudantes revoltados, os membros das associações, as leis e seus códigos, as ONG’s, os filósofos, os cientistas sociais, os moralistas, os anárquicos, os religiosos: todos. Em cada rosto com suas rugas, suas imperfeições e impasses, está toda uma sociedade. Um parcela que, conjunta, compõe o que os ufanistas chamam de nação. 

Todos os dias, povo que sou, compro o pastel da pastelaria ao lado. Observo a fila, a fome, as conversas e os jeitos. Adoeci! Agora, não consigo mais pensar em tabelas, gráficos, números e textos quando me falam de povo. Ao ouvir a palavra, lembro de cada rosto que vejo esperando a hora de comer. 

Saindo da internet, dos jornais e dos livros-super-revolucionários é que descobri: Há gente na palavra povo.

Agora, para mim, o pastel tem cheiro de gente. Ou o povo tem cheiro de pastel?  Ainda descubro: se o Brasil é mesmo uma grande massa, será o povo, pastel?

Um comentário:

  1. Adorei!
    Pensei a mesma coisa quando fui nessa pastelaria.

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