quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Pseudo, psiu!


“Arre, estou farto de semideuses! Onde há gente no mundo?”* escreveu o poeta através de um de seus heterônimos mais fascinantes. Certamente, nem Fernandos, nem Álvaros referiram-se à sociedade de hoje. No entanto, como toda genialidade tem um quê de imortal, arrisco-me a utilizá-la.

O excesso de teorias sobre o excesso de informação já está excessivamente bem informado. O que parece ainda oculta é a contradição: a informação fácil matou a curiosidade. Acostumamos ao superficial, às poucas linhas, às únicas versões. Assim, temos nos tornado também superficiais – o que, de certo, faz com que mereçamos poucas linhas numa única versão mal feita de nós mesmos. 

A verdade é que a humanidade está repleta de pseudos. Não pseudônimos, como os do poeta, mas pseudo posições, pseudo ideologias, pseudo conhecimento, pseudo ídolos, pseudo loucos. Pseudo... pseudo... pseudo... e somos com uma sinceridade tão verossímil que chega a nos doer.

Somos revolucionários convictos em frente aos nossos computadores.
Somos socialistas-marxistas-russos-cubanos enquanto não precisamos enfrentar o mercado de trabalho.
Somos ambientalistas antes do próximo churrasco no prédio da frente.
Somos brasileiros durante o futebol.
Somos absolutamente contra a corrupção dos outros, mas cometemos nossas pequenas corrupções diárias. Por que não?
Somos humanistas quando doamos R$5,00 no tele-criança-que-nos-enche-de- esperança e contribuímos para acabar com as nossas (nossas?) contradições sociais. (Atitude tão poética que chega a rimar, sem riquezas – de métrica ou de ação)

Somos cri–críticos que utilizam da primeira pessoa para xingar tudos e todo numa página de internet. Uma generalização tão pseudo quanto real.

E continuaremos assim, até que os anjos, os santos, os norte-americanos ou nós mesmos soltemos aquele grito de silêncio: “Pseudo, psiiiiiiiiiu!”

Até lá, pseudo-eu que, retomando o português do poeta, “tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas”* desse verdadeiro pseudo-mundo, abafo o meu grito, entupindo a garganta, sem voz.



* Fernando Pessoa – Álvaro de Campos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ano novo, meu velho!


Ano novo, meu velho!

Começo me desculpando, sinceramente, pelo meu descaso. Afinal, já faz um ano que não lhe escrevo, não é? Mas você sabe como foi a correria para cumprir (?) tudo aquilo que prometi na última carta... 


Você está ficando cada dia mais famoso, heim? Há tempos tem-se falado sobre os mitos e metas que o envolvem.  Você Já virou notícia, filme e centenas de textos antes de pousar sobre os cartões de “Feliz Ano Novo” e propagandas da Coca-Cola-de-gente-boa-e-feliz e dos bancos-feitos-para-você, para nós. Tudo isso devido àquele boato de que você se rebelaria de vez e acabaria com o mundo! É isso mesmo! ACABARIA COM O MUNDO! Ah, meu amigo... não é porque as pessoas o deixam de lado na maior parte dos dias que você precisa acabar com tudo, né? Que carência é essa? Por favor, calmaí!


Bem sei que você anda chateado por comemorar seu aniversário sempre da mesma forma: com todas as gentes prometendo isso ou aquilo. Todos os gordos que não emagreceram, todos os preguiçosos que não trabalharam, todos os políticos (ah, os políticos!) que não se lembraram que são povo, todos os filhos pródigos que não voltaram, todos os bem-feitores que sairiam das suas casas e mudariam o pla-ne-ta! Mas, pense: o que vale é a intenção. E de boas intenções o infer... ops, o mundo está cheio. Fique calmo que dessa vez TODO MUNDO vai fazer tudo certinho. Você vai ver, em seu próximo aniversário, vai ter alegria que só! Uma perfeição de dar nojo nos invejosos. Ai, que bom! 


Vamos deixar em segredo, mas fiquei sabendo por fonte segura (oh, jornalistas: a fonte é DAS BOAS!) que, depois do seu aniversário, tudo estará melhorzão. Sente aí:


As pessoas lerão mais. Bem, bem, bem mais. Assim, o percentual de postagens na internet com frases do C.F. Abreu cairão notavelmente. (Que beleza, heim?) Os rebeldes que vestem vermelho, deixam a barba crescer e (não) saem por aí xingando o sistema, passarão horas por dia estudando as teorias que eles tanto (des)conhecem. Vai ter Karl Marx que não acaba mais! Uh, maravilha!


Mas não para por aí! (Senta que essa é boa) O ser humano finalmente vai fazer jus à qualidade de racional! Juro de pés juntos que não vai ter mais gente roubando gente, gente matando gente, gente matando bicho, gente invejando gente, gente mentindo pra gente, gente não gostando de gente. Vai ter só gente só... sem pejorativos. Gente! 


Isso tudo sem falar no respeito, né? Resolveram tirá-lo dos cartazes e colocá-lo nas ruas, nas casas, no trânsito, nas contas bancárias, nas cabines de votação, nas orações, nas Universidades, nas prefeituras, nas camas, nas esquinas, na América do Norte!


Viu? PRA QUE ACABAR COM UM MUNDO ASSIM, TÃO PROMISSOR? Não vai me decepcionar, ouviu? 


Vai me vendo daí que ano que vem eu volto! Estarei com o CRTL C CTRL V na ponta do teclado para escrever pra você de novo!


Meu vigésimo primeiro abraço pra você, cheio de carinho repetido!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Faltação


Escrever é uma forma de colocar “no papel” todas as indignações que deixam a bochecha vermelha, de tanta raiva que a gente sente. Por isso, comecei e apaguei este texto diversas vezes.

Pensei em escrever sobre a enfermeira que matou o cachorrinho. Ou sobre o vizinho que filmou, passivo, o assassinato.
Poderia comparar a morte do bichinho com as mortes-nossas-de-todo-dia que assolam tantas pessoas pelo país e que poderiam ser evitadas.
Poderia criticar os indignados que xingam-muito-no-twitter e só.
Também achei merecido destinar toda a minha raiva às pessoas que criticam os indignados que xingam-muito-no-twitter ao invés de se indignarem também.

Aí, me lembrei do motivo da indignação e senti a bochecha vermelhando outra vez. Matar um bichinho assim, à toa? Filmar uma coisa cruel dessas e não fazer nada? Xingar nas mídias sociais, desligar o computador e tomar uma cerveja? Chorar horrores ao assistir a um vídeo e ler as notícias tristes no jornal todos os dias e só se preocupar com o mau agouro que o horóscopo, da página de cultura, trouxe?

Não gosto de falar repetições. A briga só é minha enquanto não se tornou uma briga vista,  reconhecida  em cartório e abençoada por Deus. A minha briga, enquanto minha, individual, de direito, é para que as brigas se tornem brigas. Por isso, o texto sobre esse assunto termina antes de começar.

Afinal, já sei que existem milhares de pares de bochechas se avermelhando por aí, como as minhas.

O que falta, agora, é indignAÇÃO. (Preciso destacar ainda mais a AÇÃO?) 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O povo pastel


Aqui ao lado tem uma pastelaria. Todos os dias, em qualquer hora, as pessoas se espremem no cubículo de duas portas. Barulho de gordura, sabores variados. Cheiro de café, garapa, molho de pimenta. Massa de pastel e recheio: cinqüenta centavos para matar a fome. Apenas cinqüentas centavos! Dez moedas de cinco, cinco moedas de dez, uma moeda de um e pronto! Pastel comprado!

Nunca vi tanta gente com cara de povo como na pastelaria ao lado. De segunda a segunda: gente! Não gente da televisão ou da última revista: gente de verdade, com todo aquele jeitinho que gente tem.

São homens com seus uniformes e seus sapatos surrados, mulheres com suas crianças e seus cabelos penteados, meninos e meninas com seus chinelos de dedo e suas sacolas. De vez em quando, entram criança, mãe e pai. Cachorro, espera na porta, sentindo o cheiro da gordura queimando a massa. A massa... O povo. 

Desconfio que todos os brasileiros comem o pastel da pastelaria ao lado: nordestinos, mineiros do interior ou da capital, sulistas. Do sertão ao litoral: não há um que nunca tenha vindo experimentar esse símbolo nacional da democratização da compra e alimentação.

Nos seis banquinhos entrepostos na pastelaria ao lado, vejo a personificação da expressão tão recorrente nos discursos todos de tudo quanto há: s-o-c-i-e-d-a-d-e. É ali, logo, ao lado, que está a sociedade da qual falam os políticos bem-feitores, os estudantes revoltados, os membros das associações, as leis e seus códigos, as ONG’s, os filósofos, os cientistas sociais, os moralistas, os anárquicos, os religiosos: todos. Em cada rosto com suas rugas, suas imperfeições e impasses, está toda uma sociedade. Um parcela que, conjunta, compõe o que os ufanistas chamam de nação. 

Todos os dias, povo que sou, compro o pastel da pastelaria ao lado. Observo a fila, a fome, as conversas e os jeitos. Adoeci! Agora, não consigo mais pensar em tabelas, gráficos, números e textos quando me falam de povo. Ao ouvir a palavra, lembro de cada rosto que vejo esperando a hora de comer. 

Saindo da internet, dos jornais e dos livros-super-revolucionários é que descobri: Há gente na palavra povo.

Agora, para mim, o pastel tem cheiro de gente. Ou o povo tem cheiro de pastel?  Ainda descubro: se o Brasil é mesmo uma grande massa, será o povo, pastel?