Seus gritos ecoam pelos condomínios. O soar de
suas panelas acostumadas ao sossego de domingos fartos confunde o silêncio rigoroso
de todas as noites. Os palavrões que
saem de suas bocas tão profundamente bem educadas parecem contradizer a finesse
da classe. A chuva de nacionalismos que jorra de quem nunca acreditou no país
denuncia que, ali, dentro daqueles muros, pouco se sabe sobre o que faz o
Brasil. Contraditoriamente, eles não economizam nas bandeiras e nas camisas da
seleção, ufanistas desde criancinhas.
A mídia bate-panelas, tão acostumada a
enquadrar a realidade do seu próprio modo vesgo, faz com que eles acreditem que são a
maioria; que seus condomínios são as ruas de todo o país; que a sua crença não
só é a mais certa, mas a única possível; que eles devem ser os heróis de um
país à beira do caos. Caos. Para evitar esse perigo iminente, eles sairão a
marchar, como um exército de escolhidos. Afinal, eles têm a sabedoria. E sempre
a tiveram, desde os tempos de eleição.
Ao badalarem os sinos, os portões de cada
condomínio fechado se abrirão. Cada mão segurará democraticamente o seu cartaz
escrito em inglês. Cada coração verdeamarelindo declarará seu ódio pelo
vermelho assustador. Cada consciência desfilará tranqüila pela cidadania
exercida e pelo sapato sujo com barro de rua pela primeira vez. Levarão água e
barra de cereais. Light.
Afinal, o que eles querem? Defender uma
democracia oligárquica que deslegitima toda uma eleição? Garantir que sejamos
todos iguais, mas uns caetanamente mais iguais que os outros? Acabar com uma
corrupção que, embora real e visível, só começou a ser investigada de fato nos
anos vermelhos do Brasil? Ou será que, de repente, defender as empresas
nacionais virou página importante na bíblia que alimenta essa fé, tão certa e
direita?
Afinal, pelas barbas de Fidel, o que eles
querem? Impedir que o Brasil se torne Cuba e que, de repente, todos comecem a
fumar os charutos que eles se presenteiam no Natal? Acabar com essa história de
bolsa esmola disso e daquilo, para que o brasileiro finalmente aprenda a pescar
sua própria sardinha? Ou será que eles estão com medo do golpe comunista que o
fantasma do Jango trouxe na última sexta-feira 13?
Eles. Nós, não. Desse lado, o que bate o
coração (valente, por que não?), o ódio fala mais baixo, quase em sussurros. Escolhemos
nosso nome cinco meses atrás. E escolher é se mostrar, é dar a cara a tapa, é defender uma utopia (ou uma
vontade, que seja). Há, de fato, os que escolhem por interesses mesquinhos,
individuais, hipócritas. Mas há, sobretudo, os que escolhem porque acreditam,
porque esperam, porque querem fazer parte da construção de uma história melhor.
Há os que escolhem porque sonham, com os pés no chão e as panelas no fogo,
vigilantes. E sonhar, ao contrário do que eles imaginam, não é deixar de
criticar. Mas é, sim, saber por que e como fazê-lo.
Que me perdoe cada brasileiro que está tirando as panelas do armário pela
primeira vez. Defendam seus ídolos fanáticos, apontem seus dedos cheios de
razão, clamem pelos militares e chorem por toda a nossa corrupção, tão novata. Amanhã,
a rua é de vocês. Nos outros 364 dias do ano, ela é nossa. Povo que somos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário