sábado, 14 de março de 2015

A revolta das panelas


Seus gritos ecoam pelos condomínios. O soar de suas panelas acostumadas ao sossego de domingos fartos confunde o silêncio rigoroso de todas as noites.  Os palavrões que saem de suas bocas tão profundamente bem educadas parecem contradizer a finesse da classe. A chuva de nacionalismos que jorra de quem nunca acreditou no país denuncia que, ali, dentro daqueles muros, pouco se sabe sobre o que faz o Brasil. Contraditoriamente, eles não economizam nas bandeiras e nas camisas da seleção, ufanistas desde criancinhas.  

A mídia bate-panelas, tão acostumada a enquadrar a realidade do seu próprio modo vesgo, faz com que eles acreditem que são a maioria; que seus condomínios são as ruas de todo o país; que a sua crença não só é a mais certa, mas a única possível; que eles devem ser os heróis de um país à beira do caos. Caos. Para evitar esse perigo iminente, eles sairão a marchar, como um exército de escolhidos. Afinal, eles têm a sabedoria. E sempre a tiveram, desde os tempos de eleição.

Ao badalarem os sinos, os portões de cada condomínio fechado se abrirão. Cada mão segurará democraticamente o seu cartaz escrito em inglês. Cada coração verdeamarelindo declarará seu ódio pelo vermelho assustador. Cada consciência desfilará tranqüila pela cidadania exercida e pelo sapato sujo com barro de rua pela primeira vez. Levarão água e barra de cereais. Light.

Afinal, o que eles querem? Defender uma democracia oligárquica que deslegitima toda uma eleição? Garantir que sejamos todos iguais, mas uns caetanamente mais iguais que os outros? Acabar com uma corrupção que, embora real e visível, só começou a ser investigada de fato nos anos vermelhos do Brasil? Ou será que, de repente, defender as empresas nacionais virou página importante na bíblia que alimenta essa fé, tão certa e direita?

Afinal, pelas barbas de Fidel, o que eles querem? Impedir que o Brasil se torne Cuba e que, de repente, todos comecem a fumar os charutos que eles se presenteiam no Natal? Acabar com essa história de bolsa esmola disso e daquilo, para que o brasileiro finalmente aprenda a pescar sua própria sardinha? Ou será que eles estão com medo do golpe comunista que o fantasma do Jango trouxe na última sexta-feira 13?    

Eles. Nós, não. Desse lado, o que bate o coração (valente, por que não?), o ódio fala mais baixo, quase em sussurros. Escolhemos nosso nome cinco meses atrás. E escolher é se mostrar, é dar a cara a tapa, é defender uma utopia (ou uma vontade, que seja). Há, de fato, os que escolhem por interesses mesquinhos, individuais, hipócritas. Mas há, sobretudo, os que escolhem porque acreditam, porque esperam, porque querem fazer parte da construção de uma história melhor. Há os que escolhem porque sonham, com os pés no chão e as panelas no fogo, vigilantes. E sonhar, ao contrário do que eles imaginam, não é deixar de criticar. Mas é, sim, saber por que e como fazê-lo.  

Que me perdoe cada brasileiro que está tirando as panelas do armário pela primeira vez. Defendam seus ídolos fanáticos, apontem seus dedos cheios de razão, clamem pelos militares e chorem por toda a nossa corrupção, tão novata. Amanhã, a rua é de vocês. Nos outros 364 dias do ano, ela é nossa. Povo que somos. 

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