Se o palhaço
de rua tivesse um telhado – desses feitos com telhas e forros de madeira ou
concreto, o sol forte dos dias quentes não queimaria o rosto do artista. Nenhum
palhaço teria aquelas bochechas rosadas, queimadinhas de sol.
Se o palhaço
de rua tivesse um telhado, o vento não derrubaria os acessórios do cenário e,
assim, não seria preciso improvisar nenhuma piada! Nenhum garotinho admirado
sentiria o coração disparar ao ver o palhaço vir até pertinho dele para buscar
o chapéu que caiu no chão, desobedecendo a marca que separa o público do
artista.
Se o palhaço
de rua tivesse um telhado, as estrelas que compõem a cena ficariam de fora do
espetáculo, curiosas, lá de cima, no céu, imaginando o que se passa... A lua,
que, os mais atentos percebem: fica mais assanhada em dia de palhaçaria na praça,
não assistiria a nada. Mudaria o
calendário e minguaria, assim, só de birra.
Se o palhaço
de rua tivesse um telhado, as risadas das crianças; daquele velhinho que, mesmo
não escutando muito o que o palhaço diz, dá gargalhadas como se fosse moço; da
menina mal humorada que esquece as tristezas e se abre pra alegria; do gordinho
que ri segurando a barriga e de todos que se concentram no espetáculo ficariam
abafadas. Presas entre quatro paredes, restritas, debaixo do telhado. Até o
latido do cachorro de rua, que se assusta com o barulho da corneta, ficaria
ali, estático.
Se o palhaço
de rua tivesse um telhado, a chuva nunca atrapalharia o espetáculo. O figurino
ficaria sempre seco, a maquiagem bem feita, os cabelos desordenadamente em
ordem. Não existiria aquela tensão que faz o artista olhar por entre o cenário
para ver se as pessoas ainda estão lá, mesmo com o barulho de trovões.
Se o palhaço
de rua tivesse um telhado, não seria palhaço de rua. Seria outra coisa. Palhaço
de rua, não. Palhaçada na praça tem direito a bochecha queimada de sol – tanto
da plateia quanto do artista. Tem participação da lua, das estrelas e até das
nuvens que, ora aparecem, ora saem de cena. Espetáculo na rua espalha, na
cidade, as risadas todas que resolvem se libertar dos seus donos. No dia
seguinte, o trabalhador que passa pela rua onde teve palhaçada, ainda sente um
eco bom de gente feliz.
Nariz
vermelho, sapato comprido, rosto pintado, peruca colorida. Violão de madeira – sem
corda, com som. Corneta, tambor, balão. Apito, algodão-doce, bolinhas de todas
aas cores. Saco de farinha, copo de vidro, calça larga – meio xadrez, meio
estampada. Cueca de coração por baixo da bermuda. Com tanta coisa linda dentro
do baú, por que é que o palhaço de rua precisa de telhado?
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