quarta-feira, 2 de maio de 2012

Se o palhaço de rua tivesse um telhado


Se o palhaço de rua tivesse um telhado – desses feitos com telhas e forros de madeira ou concreto, o sol forte dos dias quentes não queimaria o rosto do artista. Nenhum palhaço teria aquelas bochechas rosadas, queimadinhas de sol. 


Se o palhaço de rua tivesse um telhado, o vento não derrubaria os acessórios do cenário e, assim, não seria preciso improvisar nenhuma piada! Nenhum garotinho admirado sentiria o coração disparar ao ver o palhaço vir até pertinho dele para buscar o chapéu que caiu no chão, desobedecendo a marca que separa o público do artista.

Se o palhaço de rua tivesse um telhado, as estrelas que compõem a cena ficariam de fora do espetáculo, curiosas, lá de cima, no céu, imaginando o que se passa... A lua, que, os mais atentos percebem: fica mais assanhada em dia de palhaçaria na praça, não assistiria a nada.  Mudaria o calendário e minguaria, assim, só de birra.

Se o palhaço de rua tivesse um telhado, as risadas das crianças; daquele velhinho que, mesmo não escutando muito o que o palhaço diz, dá gargalhadas como se fosse moço; da menina mal humorada que esquece as tristezas e se abre pra alegria; do gordinho que ri segurando a barriga e de todos que se concentram no espetáculo ficariam abafadas. Presas entre quatro paredes, restritas, debaixo do telhado. Até o latido do cachorro de rua, que se assusta com o barulho da corneta, ficaria ali, estático.

Se o palhaço de rua tivesse um telhado, a chuva nunca atrapalharia o espetáculo. O figurino ficaria sempre seco, a maquiagem bem feita, os cabelos desordenadamente em ordem. Não existiria aquela tensão que faz o artista olhar por entre o cenário para ver se as pessoas ainda estão lá, mesmo com o barulho de trovões.

Se o palhaço de rua tivesse um telhado, não seria palhaço de rua. Seria outra coisa. Palhaço de rua, não. Palhaçada na praça tem direito a bochecha queimada de sol – tanto da plateia quanto do artista. Tem participação da lua, das estrelas e até das nuvens que, ora aparecem, ora saem de cena. Espetáculo na rua espalha, na cidade, as risadas todas que resolvem se libertar dos seus donos. No dia seguinte, o trabalhador que passa pela rua onde teve palhaçada, ainda sente um eco bom de gente feliz.

Nariz vermelho, sapato comprido, rosto pintado, peruca colorida. Violão de madeira – sem corda, com som. Corneta, tambor, balão. Apito, algodão-doce, bolinhas de todas aas cores. Saco de farinha, copo de vidro, calça larga – meio xadrez, meio estampada. Cueca de coração por baixo da bermuda. Com tanta coisa linda dentro do baú, por que é que o palhaço de rua precisa de telhado?

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