quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tênis novos: o drama de um saudosista


Antes, eram vermelhos. Agora, estão com uma cor diferente - meio amarela, meio suja. Três buracos na sola, a frente está rasgada. Não dá mais pra sair com eles sem voltar com as meias imundas da sujeira que entra pelos buraquinhos. Depois de anos de companheirismo, é chegado o momento: a hora de aposentar os tênis. 


Parece até uma traição, simplesmente largá-los em um canto. Afinal, eles estavam na prova do vestibular, no primeiro dia de aula na Universidade, no show do Tom Zé. Assistiram à primeira vez que saiu um acorde com som bonito no violão, à primeira entrevista com alguém importante. Aprenderam a difícil missão de não mais confundir freio e acelerador do fusquinha. Estavam no primeiro e no último encontro. E, agora, não irão mais a nenhum lugar. Aposentados, sem direito a fundo de garantia ou a uma despedida decente – brasileiros que são. 


Com um drama de consciência um tanto quanto irracional, os tênis substitutos são escolhidos. Não se fabrica mais nenhum vermelho, como os antigos, mas os azuis também são bonitos. É hora de inovar, afinal. Cadarços amarrados, saem os novos tênis a andar por aí, com aquela curiosidade de quem sai do berçário. São bem bonitos, concordo. Mas os vermelhos... 


A forma nova aperta os pés. O dia inteiro, aquele aperto. Os antigos, não. De tão discretos, davam a impressão de que os pés estavam descalços. Além disso, azul não é cor pra estar nos pés. Azul é cor de blusa, de jeans, não de tênis. E eles apertam. Não são como os  vermelhos. 


Por que os tênis não são imortais?  Jamais existirá uma geração de tênis tão boa quanto a dos vermelhos. Definitivamente, não deveria ter trocado de tênis. Talvez houvesse uma forma de consertar os antigos. Costurar um canto, colar a sola. Qualquer coisa.


Passam um, dois, três anos. Os tênis azuis já não estão mais na moda. Ninguém mais usa tênis azuis. Mas, como? Eles são tão bonitos... lembram o céu. E, agora, já nem doem mais os pés. Não há possibilidade alguma de trocá-los por uns desses novos, os pretos. Preto não é cor. Preto é triste. Vai ver, preto é o novo símbolo da contemporaneidade: triste. Mas os azuis... 


Antes, eram azuis. Agora, estão com uma cor diferente - meio cinza, meio encardida. Três buracos na sola, a frente está rasgada. Não dá mais pra sair com eles sem voltar com as meias imundas da sujeira que entra pelos buraquinhos. Depois de anos de companheirismo, é chegado o momento: a hora de aposentar os tênis. 


Por que os tênis não são imortais?  Jamais existirá uma geração de tênis tão boa quanto a dos azuis. Esses pretos apertam os meus pés.

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