2012 é um ano, no mínimo,
misterioso. Não se sabe se é o fim dos tempos, se é o fim da internet livre, se
é o começo de uma guerra virtual, se faz chuva, se há seca. Ou, se é,
simplesmente, mais um ano, desses assim com trezentos e sessenta e poucos dias
e um fevereiro.
Fruto ou não do magnetismo
incomum que os estudiosos atribuem a 2012, eis que um dia estranhíssimo me aconteceu:
O DIA EM QUE ACORDEI INTELIGENTE.
Já era bem tarde quando resolvi
me levantar da cama, afinal, não havia nada nesse mundo para aprender, eu já
sabia de tudo, muito. Fui até a cozinha, peguei uma vasilha dessas gigantes de
pipoca e me sentei em frente à televisão. Procurei o canal menos repetitivo
para mim – que, repito, acordei inteligente. Resolvi parar em um desses
programas de compra e venda e, assim, com os olhos fixos naqueles produtos
todos, que eu, claro, já conhecia, passei a manhã.
Resolvi ir à rua. Não falei com
ninguém no trajeto entre a minha casa e a praça, afinal, quando a gente acorda
assim inteligente além da conta, não escuta ninguém. O inteligente,
paradoxalmente, não sabe ouvir. Encontrei uns amigos e não os cumprimentei, eu
até queria, mas não consegui descer do meu novo patamar – o de inteligente – e
trocar meia dúzia de palavras tolas com eles.
Voltei pra casa. Não havia
nenhuma música inteligente o bastante que combinasse com o meu humor. Livros?
Não, nem pensar. Não existia nada nos livros que eu já não soubesse, afinal,
acordei inteligente.
Liguei o computador e dei uma
voltinha virtual nas redes sociais. O facebook continuava cheio das imagens com
coisas que eu já conhecia, os assuntos todos que circulavam entre as pessoas
não chegavam aos pés da minha inteligência espetacular, até as cutucadas –
antes, tão engraçadas – me pareciam um ato extremo de burrice e falta de
engajamento intelectual.
Twitter. Twitter era a solução.
Afinal, é genial conseguir resumir toda uma indignação, uma ideia nova, uma
letra de música que seja, em 140 caracteres. Mas não adiantou. Os tópicos “em
alta” não me despertaram nenhum interesse. Os menos inteligentes que eu
continuavam com suas séries de repetições sem graça, com seus comentários
infundados, com seu humor patético. Afinal, repito, eu acordei muito
inteligente.
Abri a minha janela e logo senti
aquele bafo quente da burrice do povo nas ruas chegando até mim. Fechei,
desesperada. Voltei à TV para ouvir as notícias do dia. Inteligente que estava,
achei tudo de péssimo gosto. Uma linguagem tão próxima com suas frases curtas e
pirâmides ocidentais. Terrível. Até que ouvi uma meia dúzia de opiniões que
quase – repito, quase – conseguiram aproximar-se da minha inteligência.
Nisso, me lembrei que sou
estudante de jornalismo. Mas, para que voltar à Universidade se acordei tão
inteligente assim? Pensei que, obviamente, é preciso ser inteligente para atuar
nessa e em qualquer outra profissão. Mas não, eu não havia acordado assim
inteligente de um jeito normal, estava numa inteligência quase norte-americana de tão extraordinária.
Então, pela primeira vez, fiquei super aliviada de terem acabado com essa história
de diploma. Ufa!
Fiquei pensando em como meu
futuro seria brilhante! Não precisaria mais ler as dezenas de livros como fazia
antes, nem ir às aulas, nem assistir à TV, nem navegar na internet. Ouvir a
opinião dos outros? Nunca mais. Adeus, adeus, humildade burrica. Eu era
inteligente além da conta.
Comecei a ficar triste... Que
graça teria, então, ser tão inteligente assim? Eu não sentiria aquela sensação
boa de aprender algo novo nunca mais? Usaria uma viseira, semelhante a dos
animais, que me impediria de olhar pro lado para sempre? Isso era terrível. Um
desespero inteligente se apossou de mim. E não dava nem pra distrair com um
poeminha do Neruda ou com um desenho do Ziraldo porque eu estava mesmo muito
inteligente e não achava graça neles. Assim, triste, triste, dormi.
Quando acordei, já estava de
manhã. Olhei pros quadros na minha parede, pros livros na minha estante, pros
vinis que coleciono e me deu aquela sensação gostosa de ignorante. Ignorante no
sentido daquele que ignora, que não tem conhecimento. Sensação gostosa? É.
Saber tudo é muito chato, a gente nem pode errar.
Me vesti feliz e fui encontrar os
normais que fazem o mundo. Ufa. Ainda bem que meu pesadelo durou só um dia. O
dia que acordei inteligente.
E você continua a avessar por todos os lados!
ResponderExcluirBom texto.Prefiro acreditar que só se vale a pena viver quando se busca algo a se aprender. Saber "tudo" tira da vida a essência máxima do prazer do novo.
ResponderExcluir