sábado, 21 de janeiro de 2012

O dia em que acordei inteligente



2012 é um ano, no mínimo, misterioso. Não se sabe se é o fim dos tempos, se é o fim da internet livre, se é o começo de uma guerra virtual, se faz chuva, se há seca. Ou, se é, simplesmente, mais um ano, desses assim com trezentos e sessenta e poucos dias e um fevereiro.
Fruto ou não do magnetismo incomum que os estudiosos atribuem a 2012, eis que um dia estranhíssimo me aconteceu: O DIA EM QUE ACORDEI INTELIGENTE.

Já era bem tarde quando resolvi me levantar da cama, afinal, não havia nada nesse mundo para aprender, eu já sabia de tudo, muito. Fui até a cozinha, peguei uma vasilha dessas gigantes de pipoca e me sentei em frente à televisão. Procurei o canal menos repetitivo para mim – que, repito, acordei inteligente. Resolvi parar em um desses programas de compra e venda e, assim, com os olhos fixos naqueles produtos todos, que eu, claro, já conhecia, passei a manhã.

Resolvi ir à rua. Não falei com ninguém no trajeto entre a minha casa e a praça, afinal, quando a gente acorda assim inteligente além da conta, não escuta ninguém. O inteligente, paradoxalmente, não sabe ouvir. Encontrei uns amigos e não os cumprimentei, eu até queria, mas não consegui descer do meu novo patamar – o de inteligente – e trocar meia dúzia de palavras tolas com eles.

Voltei pra casa. Não havia nenhuma música inteligente o bastante que combinasse com o meu humor. Livros? Não, nem pensar. Não existia nada nos livros que eu já não soubesse, afinal, acordei inteligente.

Liguei o computador e dei uma voltinha virtual nas redes sociais. O facebook continuava cheio das imagens com coisas que eu já conhecia, os assuntos todos que circulavam entre as pessoas não chegavam aos pés da minha inteligência espetacular, até as cutucadas – antes, tão engraçadas – me pareciam um ato extremo de burrice e falta de engajamento intelectual.

Twitter. Twitter era a solução. Afinal, é genial conseguir resumir toda uma indignação, uma ideia nova, uma letra de música que seja, em 140 caracteres. Mas não adiantou. Os tópicos “em alta” não me despertaram nenhum interesse. Os menos inteligentes que eu continuavam com suas séries de repetições sem graça, com seus comentários infundados, com seu humor patético. Afinal, repito, eu acordei muito inteligente.

Abri a minha janela e logo senti aquele bafo quente da burrice do povo nas ruas chegando até mim. Fechei, desesperada. Voltei à TV para ouvir as notícias do dia. Inteligente que estava, achei tudo de péssimo gosto. Uma linguagem tão próxima com suas frases curtas e pirâmides ocidentais. Terrível. Até que ouvi uma meia dúzia de opiniões que quase – repito, quase – conseguiram aproximar-se da minha inteligência.

Nisso, me lembrei que sou estudante de jornalismo. Mas, para que voltar à Universidade se acordei tão inteligente assim? Pensei que, obviamente, é preciso ser inteligente para atuar nessa e em qualquer outra profissão. Mas não, eu não havia acordado assim inteligente de um jeito normal, estava numa inteligência quase norte-americana de tão extraordinária. Então, pela primeira vez, fiquei super aliviada de terem acabado com essa história de diploma. Ufa!

Fiquei pensando em como meu futuro seria brilhante! Não precisaria mais ler as dezenas de livros como fazia antes, nem ir às aulas, nem assistir à TV, nem navegar na internet. Ouvir a opinião dos outros? Nunca mais. Adeus, adeus, humildade burrica. Eu era inteligente além da conta.

Comecei a ficar triste... Que graça teria, então, ser tão inteligente assim? Eu não sentiria aquela sensação boa de aprender algo novo nunca mais? Usaria uma viseira, semelhante a dos animais, que me impediria de olhar pro lado para sempre? Isso era terrível. Um desespero inteligente se apossou de mim. E não dava nem pra distrair com um poeminha do Neruda ou com um desenho do Ziraldo porque eu estava mesmo muito inteligente e não achava graça neles. Assim, triste, triste, dormi.

Quando acordei, já estava de manhã. Olhei pros quadros na minha parede, pros livros na minha estante, pros vinis que coleciono e me deu aquela sensação gostosa de ignorante. Ignorante no sentido daquele que ignora, que não tem conhecimento. Sensação gostosa? É. Saber tudo é muito chato, a gente nem pode errar.

Me vesti feliz e fui encontrar os normais que fazem o mundo. Ufa. Ainda bem que meu pesadelo durou só um dia. O dia que acordei inteligente.

2 comentários:

  1. E você continua a avessar por todos os lados!

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  2. Bom texto.Prefiro acreditar que só se vale a pena viver quando se busca algo a se aprender. Saber "tudo" tira da vida a essência máxima do prazer do novo.

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