segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

E você, sabe como é o quintal do vizinho?


Na década de 1950, Nelson Rodrigues, em suas ásperas colocações sobre o povo brasileiro, criou a expressão “complexo de vira-lata” para caracterizar o sentimento de submissão que, segundo o escritor, se apossou do Brasil após a Copa de 50. Ao traduzir, de forma simplória, a teoria do autor, pode-se fazer uso do ditado popular que diz que “a grama do vizinho é sempre mais verde do que a nossa”.

Como tudo, é preciso ter propriedade para atribuir a toda uma população esse sentimento de inferioridade. No entanto, basta parar um pouco, entre um compromisso e outro, para perceber que, atualmente, para boa parte das pessoas, a tal “grama” do vizinho passa despercebida.
Se houvesse uma adaptação do ditado popular para a vida contemporânea, ela poderia ser “a minha grama é verde. E isso basta”.

Talvez pela necessidade de ser uma voz de destaque entre outras tantas vozes, talvez pelo medo de “ficar pra trás” na corrida louca que a vida se tornou ou por puro desinteresse, deixamos de olhar para o lado, de perceber o outro. O nosso vizinho, paradoxalmente, está cada vez mais distante, mais invisível à nossa percepção cega, egoisticamente seletiva.

Se a nossa “grama” está verde, é o suficiente. O vizinho que encontre uma forma de cuidar da sua própria. Não importa se no quintal do outro não chove tanto quanto no nosso ou se ele não pode ter as ferramentas suficientes para cuidar do seu jardim. Ele que se vire, temos que preparar a nossa casa para a próxima primavera. Se colhermos muitas flores, podemos até jogar algumas para o outro lado da cerca e tranquilizar a nossa consciência.

Que tal pararmos, um minuto por dia, para olhar para o lado? Se todos tivessem jardins verdinhos, o bairro-mundo não seria bem mais bonito?

Pior que sofrer porque a grama do vizinho é mais verde que a nossa, como sugeriu Nelson Rodrigues, é saber que, na casa ao lado, não há nem sequer um jardim e, ainda assim, permanecer na nossa rotina perfumada no interior do muro.

Há os ditados: populares. Existem as metáforas: corajosamente inteligentes.
Por uma forma ou outra, todos sabem(os): nem tudo são flores. Nem toda grama é verde. Mas todos somos responsáveis pelo jardim – nosso ou vizinho.

E você, sabe como é o quintal ao lado?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Política, para que política?


A gente não quer só comida, mas o que a gente quer? 

A gente já não quer só saída, mas onde é que a gente está?

A gente não quer só promessa, mas o que é que a gente faz?

“Política não se discute”: o que não se discute é a necessidade de discutir política, de pensar, todos os dias, que tudo começa a partir da ação de um único indivíduo, o eu - você. O que não se discute é a verdade universal de sermos cidadãos de direito e, como tais, termos a honrada missão de estar cientes do que se passa em nossa volta. O que não se discute é que todos, sem exceção, somos responsáveis diretos pelo país que construímos. 

É fácil – repito, fácil – culpar aqueles que estão distantes. É fácil apontar os dedos para os nossos governantes e atribuir a eles tudo quanto há de errado no mundo. É fácil falar de uma sociedade problemática sem nos colocarmos dentro dela. É cômodo derramarmos mil lágrimas sob a corrupção e não nos darmos ao trabalho de analisar o candidato que nos sorri na urna de votação. É cômodo repetirmos, aos quatro cantos, que tudo está errado no mundo e não abrirmos nossos olhos para o que está sendo feito para melhorá-lo. É comodíssimo partirmos da idéia de que não adianta tentar. É conveniente criticar os que criticam.

Por definição, política é arte. Mas não é – ou não deveria ser – a arte falha da encenação, com platéia e roteiros definidos. Arte do improviso, menos ‘stand up’. 

“Não gosto de política, mas gostaria de ter um trânsito seguro, uma escola pública eficaz, um hospital que me privasse do pagamento de um plano particular”.
“Não gosto de política, mas queria que o meu filho não fosse obrigado a estudar em uma Universidade no outro canto do país porque no meu estado não há vagas”.
“Não gosto de política, mas acharia ótimo se os impostos que me cobram fossem bem aplicados, que a violência diminuísse, que não houvesse esgotos a céu aberto no meu bairro”.
“Definitivamente, não gosto de política. Mas como gostaria de ver o Brasil dando certo e ‘fazendo bonito’ lá fora!”.

Há a política. Há os políticos. Há os que a constroem mal e porcamente. E  existe todo o resto.
"Lembre-se: quem tem nojo de política é governado por quem não tem."*

Poderíamos, então, nos enojar pelo que nos é de direito?


*Frei Betto - Revista Caros Amigos, Janeiro - 2012.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Onde estão os idealistas?


Na calçada de 68 ou na esquina de 85? Em Cuba, no Chile, na Bahia ou na casa do vizinho? Num poema do Neruda ou num afro-samba de Vinicius e Baden? Na novela das oito ou no jornal da tarde? 
 
Há quem diga que já não existem mais, que são espécie rara em extinção... Alguns juram de pés juntos que se perderam na história mal contada em um canto do país. Outros afirmam que aparecem uma vez por ano - em cada fevereiro e carnaval - e desaparecem logo, logo, na quarta-feira de cinzas: fogo de palha. 

Será que estão nas Universidades? Nas filas dos hospitais? Nas praças e construções? Será, meu Deus, que eles ainda vão às cabines em dias de eleição? Frequentam, disfarçados, os teatros, cinemas, shows de jazz? Afinal, onde se escondem os idealistas? 

Onde está a geração de “ontem” que nos deu o futuro de presente? Aposentou as ideologias e as chuteiras no canto da sala de uma casinha escondida no interior do país? E a geração pré-fabricada? Venceu antes da data ou apodreceu com o calor dos computadores? Mistério do planeta. 

Idealismo é careta, coisa do capeta, de Deus ou adeus? Idealismo se faz com pressa ou não interessa o relógio? Dá pra sonhar alto, pensar grande no trajeto do metrô? E nos engarrafamentos, dá ou dão? 

Sonhar, um segundo, em mudar o mundo e começar pela rua. Será que é vontade, verdade ou mentira – crua e nua? 

Há alguma lei que impeça o querer? Se há, cadê a graça e a coragem de desobedecer? De ser? Ceder? 

Pelo nosso próprio bem, encontremos os idealistas! Daremos a eles, todos os dias, uma dose de utopia. Deixaremos que eles pensem que podem voar, que o bem existe para todo mal. Não os impediremos de sair de casa, de compor canções, de pregar cartazes nas paredes. Não os proibiremos de indignar com as durezas da história, com as dietas do poder. Quando muito, continuaremos sentados, rindo deles, que pintam os rostos, defendem uma causa, que coram de indignação. É tolice e a mesmice é que é a solução?

Recrutem os sonhadores e exilem os pessimistas!

Idealismo, quando?
Idealismo, já!