Não tenho filhos. Se os tivesse, escreveria uma carta mais ou menos
como a de Aristóteles para Nicômaco, mas de um jeitinho menos frio-carinhoso-filosófico.
Ou, para ser mais moderna, poderia fazer como Ted, de How I Met, e gravar um seriado: “a história de hoje, Kids...”. Tudo
isso para contar sobre o tempo que passei na Argentina e as conclusões que esse
intercâmbio-que-não-foi-intercâmbio trouxe até mim. Seria mais ou menos assim:
'Se algum dia aparecer uma oportunidade, escolha um país e coloque na
cabeça que você vai morar nele por algum tempo. Passe meses a fio pensando
nesse tal país, mas não pesquise muito, que é pra não tirar a graça quando você
estiver lá, com os pezinhos no chão. Despeça dos seus amigos, dos seus pais, da
sua cidade, da sua rotina. Vão cair umas lagriminhas (ou não), mas elas passam
logo, logo. Acredite! Chegue ao aeroporto sem saber falar uma frase completa do
idioma nativo desse país e passe muitos apertos e vergonha por isso. No fim das
contas, depois do desespero inicial de não entender nada, você terá boas
histórias e um desafio enorme pela frente.
More com quinze pessoas totalmente desconhecidas. Aprenda a dividir
uma casa, a esperar a sua hora de usar a cozinha, a não dormir quando alguém
resolveu juntar os amigos da faculdade e fazer um auê. Aprenda que todo mundo
tem seu espaço e que é preciso respeitar o dos outros. Perceba que viver com
pessoas da mesma idade pode ser uma das melhores coisas da sua vida: há sempre
alguém disponível pruma cerveja, um jogo de adivinhações e um papo político.
Você será uma pessoa melhor depois disso e terá amigos e estadia em um montão
de países.
Cozinhe sua própria comida. Não uma ou duas vezes por semana, mas
todos os dias. Depois de um tempo, você pegará gosto pela coisa. Literalmente. Comece
a se preocupar com a sua própria saúde, afinal, quando estamos longe, não tem ninguém
pra vigiar e cuidar da gente. Por isso, troque hambúrgueres por frutas,
macarrão por verduras e, cervejas, bem, as cervejas continuam sempre lá. Firmes,
fortes e geladinhas.
Conheça uma universidade totalmente diferente da sua, faça um estágio,
comece um curso novo, trabalhe de graça, só por trabalhar. Conheça uma cultura nova.
Perceba que cada lugar tem seus encantos, seus problemas e peculiaridades.
Entenda que, por mais que você se encante por tudo que acabou de conhecer,
nunca achará um lugar mais perfeito que o seu próprio país.
Faça amigos. Prove um drink novo e fique mais alegrinho que o normal.
Fique feliz só de ver seus pais pela webcam. Namore um estrangeiro. Amadureça
estilo JK: 5 anos em 7 meses. Aprenda que é preciso valorizar o desejo dos
outros mas, entenda que, em alguns momentos, o mais difícil e importante é
seguir a sua própria vontade. Por isso, aprenda a dizer não. E aprenda a dizer
sim também.
Se algum dia aparecer uma oportunidade, more em outro país. E outro. E
outro. E outro mais. O mundo fica tão grande quando saímos de casa, que nos tornamos menores, mais humildes e conscientes de que há mais cenários depois do nosso próprio quintal.
Se algum dia aparecer uma oportunidade, viaje. Se não aparecer,
invente uma.
Mas não se esqueça: hay que viajar!'