4 de janeiro de 2013. Há 25 anos, Graúna,
Zeferino, Bode Orelana, Baixim e Cumprido se despediram do Henfil. A Graúna só
não chorou porque é “muito macha”, mas o Zeferino deixou de dar tiros para o
alto com a sua espingarda e o Orelana não comeu nem um livrinho sequer. As ruas
de Belo Horizonte ficaram mais sossegadas sem o Baixim, que desistiu de parar o
pé para os velhinhos e assustar criancinhas por uns tempos. Cumprido andou mais
sem graça, quietinho num canto. Todo mundo meio cabisbaixo, sentindo falta dos “putisgrilas”
do Henfil...
Henrique de Souza Filho, Henrique
Filho, Henriquinho, Tunebinha. Em 4 de
janeiro de 1988, o cartunista mineiro abandonou a prancheta dos desenhos, a
guerrilha política e se juntou à filhinha da Graúna, no alto do céu. Hemofílico, como seus dois irmãos Betinho e
Chico Mário, Henfil contraiu o vírus da AIDS numa transfusão de sangue e, como
naquela época, a doença ainda era novidade e os recursos eram escassos, não
resistiu.
Henfil sempre teve raiva da
morte. E, enquanto viveu, despejou essa raiva em tudo quanto havia de errado no
Brasil. As injustiças sociais, o descaso político com a região nordeste do
país, os feitos malfeitos do regime militar, o imperialismo norte americano que
transformava os outros povos em cucarachas: tudo isso o enervava a ponto de fazê-lo
esquecer dos conselhos de Dona Maria. Não tinha jeito, nem censura: os
quadrinhos teimavam em denunciar e contar a história real do país daquele
momento. O país da ditadura, dos exílios, da tortura, da desigualdade social
silenciosamente gritante, do sindicalismo, da anistia, dos bolos que crescem
antes de serem repartidos... o Brasil da década de 70, do pós-68 eterno e do
milagre econômico que nunca vimos o santo.
25 anos. De lá para cá, o Brasil
do Henfil – numa rima mais que perfeita – passou por algumas modificações: o
Lula, depois de teimar muito, virou presidente da república. A desigualdade
social, embora lute com dentes e unhas para permanecer no país, diminuiu e
parece que, enfim, a democracia – daquelas boas – está mais visível aos nossos
olhos. No entanto, basta esconder o amarelado do tempo de um quadrinho
desenhado na década de 70, que qualquer um acreditará que os personagens de
Henfil vivem no país de hoje... os diálogos são atuais, os problemas são os
mesmos, os preconceitos e as injustiças denunciados, idênticos. O nordeste
ainda sofre com o descaso político. Há crianças que ainda morrem analfabetas. Os
brasileiros ainda trocam o que é criado no Brasil pelo que vem do norte
americano. Os ricos ainda são muito ricos e os pobres ainda são muito pobres.
Mas faltam Robin Hood’s, ainda que Robin Hood’s cartunistas.
4 de janeiro. Pós réveillon. Época
em que as pessoas olham para frente, fazem planos e traçam metas para o ano que
chega... No entanto, hoje também é dia de olhar para trás e debruçar sobre o
passado – genialmente atual.
Hoje é dia de 25 anos sem Henfil.