A gente passa nove meses num lugar quentinho, protegidos de
tudo quanto há de ruim neste mundão e, de repente, é hora de sair, de conhecer
pessoas, lugares, ideias. Como um susto, chega a hora de abrir os olhos e andar
com os próprios pés. Com um tapa de um desconhecido vestido de branco.
Desconhecido.
Com sorte, passamos mais alguns anos sob o olhar atento dos
nossos, sempre ali pertinho para ensinar uma palavra nova, para nos apresentar
às regras – às vezes tão doloridas – do convívio social ao qual seremos
submetidos mais cedo ou mais cedo. No
pesadelo infantil, podemos sair do quarto, pé ante pé, e correr pro colo de
mãe, no quarto ao lado. Se, na escola, alguma coisa tira nosso sorriso costumeiro,
chegamos em casa de bochechas vermelhas e olhos chorosos e apelamos para os
nossos anjos da guarda: pai, mãe, irmão, cachorro e o travesseiro, tão amigo.
E, como num passe de mágica, tudo volta a ser bom como antes.
Crescemos. E, sem perguntar se é isso que queríamos, não
podemos mais fugir para o quarto de mãe, temos que resolver, sozinhos, o que
nos acontecer de ruim quando colocamos o pé para fora de casa e começamos mais
um dia. Adultos. Livres. Sozinhos.
Alguns saem de casa bem cedo e seguem seus caminhos,
escolhem o que é de direito e direito, escolhem um curso, uma cidade e vão. Outros,
mais sortudos – ou não – têm mais tempo aninhados: permissão pra sair e hora
pra chegar, almoço no fogão e roupa limpa no armário, café preto na volta pra
casa e um abraço sincero de quem quer mesmo saber como foi o dia, a certeza de
que há alguém à espera com um conselho certeiro: nem que seja um “leva uma
blusa que vai esfriar” e sempre esfria.
Mas até para esses – nós – há o tempo de ficar e o tempo de
sair: implacável. Tarde ou não, aquele medo de andar sozinho, de só ouvir
vozes, sem ver o rosto, de não ter abraço de mãe e sorriso na porta de pai
todos os dias, como um presente, sempre chega.
E é por tudo isso que eu queria ser como uma tartaruga que
pode ir pra qualquer canto levando sua casa nas costas... com os seus sempre
por perto. Mas tartarugas andam devagar, não sonham alto. Impossível, pra quem
quer voar.